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Tinham encontro marcado. Todos os dias. À mesma hora. O funcionário da loja que morava mesmo em frente àquela árvore ouvia todos os dias aquele murmúrio, aquele lamento ou aquela conversa. Não sabia explicar. Eram pássaros e ninguém percebe bem como falam ou o que dizem os pássaros!
Tudo começara ainda antes de ficar escuro mais cedo, de mudar a hora do verão para o inverno, por assim dizer. Começava como uma melodia irrisória, como um chamamento e depois crescia, gradualmente.
Um dia, o rapaz da loja colocou-se à porta e olhou as duas grandes árvores, afinal eram duas, que ladeavam aquele lado da igreja. Não via os pássaros, mas ouvia-os e sabia que eles lá estavam. As árvores quase que abanavam com a intensidade daquelas vozes, ou as suas copas pelo menos.
Depois chegaram os clientes e ele teve que voltar para o seu posto de trabalho.
Que barulho ensurdecedor, diziam uns; mas que linda companhia que tem aqui mesmo à beira da porta, opinavam outros.
Ele gostava, o rapaz, e sentia-se seguro de mais um dia a terminar quando ouvia aqueles pássaros, como se não fosse preciso relógio; como se fosse antigamente, quando o sol ditava as horas de cada jornada.
Mas num certo dia, o rapaz foi mais além e tentou perceber o que diziam aqueles seres pequenos e grandiosos, em simultâneo. Foi um dia diferente de todos os outros, que ele nunca mais esqueceu.
Aproximou-se novamente da porta e deixou-se ouvir. Eram muitos pius pius seguidos, muitos acordes de músicas que só aqueles seres sabiam cantar. Mas ele arriscou. E perguntou:
- Que tanto falam vocês? É assim que nos ouvem também?
E para seu espanto a resposta chegou.
- Também temos problemas e conversamos entre nós. Ou pensas que são só os humanos?
O espanto tomou-o de assalto e ele fechou a porta da loja. Não podia acreditar. Passados uns minutos, percebeu que não era hora de fecho ainda e voltou à carga.
- Como assim, vocês percebem o que nós dizemos? E é suposto nós falarmos convosco?
O rapaz iria jurar que viu o revirar dos olhos do pássaro; sim, porque naquele entretanto ele já estava à porta da loja a conversar de frente a frente com ele.
- Todos não. Só alguns. O critério reside na atenção do coração.
Os olhos do rapaz falaram e mostraram que ele não estava a perceber.
- Já te explico. Todos vocês vivem, ou sobrevivem, atarefados, ocupados, sempre com imensos afazeres, mas nunca reparam nos pormenores mais bonitos da vida, como as músicas que cantamos ao final do dia quando estamos todos juntos. Fazemos esta festança porque durante o dia andamos a vaguear por aí, a resolver as nossas coisas e as nossas vidas. E quando nos juntamos a alegria é tanta que fazemos este barulho todo. Não é assim quando chegas a casa?
O rapaz baixou os olhos. Nunca pensou que um pássaro lhe desse tamanha lição.
- Não tenho barulho em casa. Vivo sozinho. Por isso gosto tanto de vos ouvir!
O pássaro sentiu pena, mas não o demonstrou. Ao invés, teve uma ideia.
- Não te preocupes. Quando nos ouvires cantar, lembra-te que é hora de terminares o teu trabalho e vem sentar-te ao pé de nós. Por debaixo da árvore. Fazemos-te companhia e tu a nós. Assim, quando fores para casa, ainda que sozinho, vamos contigo.
Aquilo pareceu-lhe estranho, novamente.
- Como? -Quis o rapaz saber.
- Na escuta do teu coração!
P.S.: Os jornais existem por uma razão específica: para serem os nossos pássaros, a escuta do nosso coração, aqueles em quem queremos confiar e através dos quais pretendemos saber o que se passa à nossa volta. Às vezes não são tão diretos ou fiéis como gostariam, mas cabe a nós, leitores, perceber as suas mensagens internas, as entre linhas, como se de uma comunicação codificada se tratasse. Se isso é exatamente o contrário do jornalismo? Por um lado, sim. Por outro, é a comunicação a funcionar.
Parabéns, Diário dos Açores, por 153 anos de existência. Continuem a dar-nos letras, histórias e emoções. Nós estaremos por aqui: para ler, sentir e imaginar as vozes de quem convosco escreve diariamente!
Patrícia Carreiro *
* Diretora da Livraria Letras Lavadas