Em Agosto de 2008 Roberto Carneiro deu por concluída esta «empresa temerária, complexa e emblemática» levada a cabo desde 1988 pelo Centro de Estudos de Povos e Culturas de Expressão Portuguesa da Universidade Católica Portuguesa, com financiamento variado mas especialmente dado, como bem se compreende, pelo Governo Regional dos Açores. Artur Teodoro de Matos e Luís Arruda foram coordenadores-gerais desta enciclopédia que recebeu na sua fase nascente, como Carneiro honradamente regista, um substantivo contributo de Pedro da Silveira (1923-2003), e teve depois, por quase década e meia, responsáveis sectoriais como Carlos Enes, Eduíno de Jesus, Luiz Fagundes Duarte e Jorge Couto, que geriram a extraordinária mole final de quase 11 000 verbetes escritos por mais de 270 autores.
Certamente por conta da minha experiência na versão portuguesa da Enciclopédia Einaudi (uma publicação então em certa evidência pública) e na direcção gráfica das Edições Cosmos, onde Jorge Couto publicara A Construção do Brasil, fui chamado em 1991 a desenhar o figurino tipo-gráfico da imaginada publicação em papel. Tarefa de alguma responsabilidade atendendo ao impacto da «economia da página» sobre a extensão e custo industrial da obra a imprimir, que logo me permitiu avaliar a riqueza e relevância deste empreendimento, ainda hoje sem equivalente em qualquer região do país, mas que tinha então — desconheço se lhes serviu de modelo — parecenças de afirmação identitária com a Grande Enciclopédia Galega Silverio Cañada (1974), que por iniciativa própria observei como ilustração para o meu desempenho, e que em 2005 haveria de ser lançada em DVD. Curiosamente, em Julho de 2008, muito pouco antes da Enciclopédia Açoriana, a Enciclopédia Galega Universal também passou a dispor duma versão web.
Não há dúvida de que a versão web é a mais apropriada aos dias de hoje, pela inclusão territorial, pelo imediatismo do acesso e gratuitidade universais que só ela permite, resolvendo ao mesmo tempo assimetrias sociais no dito acesso à cultura e dando crédito seguro a informações face a tantas outras espalhadas no éter sem garantias de veracidade. No caso açoriano, Arquipélago e Diáspora considerados, alcança ainda maior razão de ser, mas a própria natureza de qualquer enciclopédia — ou dicionário — exige uma actualização redactorial e editorial contínua ou regular (década a década, pelo menos) que a Enciclopédia Açoriana simplesmente abandonou à nascença. Por força disso, boa parte dos seus verbetes ficou cristalizada no tempo, e centenas de outros que cumpriria integrar, dando conta da mais recente e dinâmica realidade da Região, simplesmente não foram escritos e publicados. Bibliografias sobre assuntos e figuras cruciais aumentaram substancialmente (literatura, literatura de viagens, artes, arqueologia e baleação, por exemplo, saltam bem à vista), sem registo conveniente e desejável. A componente visual, tão indispensável porém descuidada no projecto para papel e depois abandonada no digital (onde poderia expandir-se com recursos menores), merece ser enriquecida no limite das possibilidades entretanto abertas pelos programas europeus de financiamento da chamada transição digital.
Falta olhar para tudo isto de frente e imaginar soluções, ainda que não sejam fáceis ou lineares. Este impasse gravoso é algo com o qual nenhuma governança pública digna do nome haveria de conviver — ou poder conviver —, exibindo indiferença, torpor e irresponsabilidade. E a melhor maneira de o fazer será convocar e mobilizar os acima citados coordenadores da Enciclopédia, a Universidade dos Açores, a (enigmática) Casa da Autonomia, os melhores quadros das bibliotecas públicas e dos museus, os institutos culturais e históricos e também alguma massa crítica livre de vínculo institucional, para conversas — abertas a todos — sobre como reabilitar, agilizar, actualizar e modernizar a boa Enciclopédia Açoriana, colocando-a, na mais moderna contemporaneidade, ao serviço dos Açores e dos açorianos.
O tempo dirá se o «romantismo» inerente a esta proposta (e a este ciclo de artigos, que hoje encerro, não por falta de assuntos mas por inesperada ausência de debate e, portanto, na condição de fala-só, e um fala-só vindo de fora, ainda por cima...) não será posto de lado quer pelos autoproclamados românticos da «causa açórica», quer por uma secretaria de «assuntos culturais» (!) sem vitalidade própria ou iniciativa que publicamente se note — ou seja notória, para não pedir que seja notável...
Vasco Rosa *