O preço dos bens alimentares na região continua a disparar de mês para mês, com alguns produtos a atingirem aumentos de mais de 50% em relação ao ano anterior, como é o caso de alguns produtos hortícolas.
A inflação geral homóloga em Fevereiro subiu para 7,94% (7,10% em Janeiro), em contraciclo com a taxa nacional, que baixou para 8,36% (8,4% em Janeiro), pela quarta vez consecutiva, sendo a mais baixa desde Maio de 2022.
De acordo com os especialistas, o reflexo da inflação nacional na região prolonga-se sempre por mais uns meses, mas a verdade é que ela vem abrandando já há quatro meses no país, enquanto que nos Açores não se vislumbram sinais de descida.
A subida nos Açores tem muito a ver com o aumento dos preços, em aspiral, dos bens alimentares, da restauração e, em Fevereiro, das comunicações, cujas operadoras actualizaram preços de serviços.
Escalada desde há um ano
A inflação dos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas na região já está à beira dos 20% (19,57%), quando em Janeiro estava nos 18,33%, baixando ligeiramente em relação a Dezembro.
Se pensarmos que em Janeiro do ano passado a inflação dos bens alimentares era de apenas 1,13%, fácil é constatar o disparo ao longo do último ano, com destaque para o segundo semestre.
Já no quarto trimestre do ano passado a inflação média subjacente, que é compilada excluindo do índice total os produtos alimentares não transformados e os produtos energéticos, com o objetivo principal de eliminar algumas das componentes mais expostas a “choques” temporários, subiu para3,89% no final do trimestre.
Analisando a taxa homóloga no final daquele trimestre, verifica-se que o cabaz de bens e serviços, analisado pelo IPC, estava mais caro cerca de 7,14% do que em dezembro de 2021.
A seguir aos bens alimentares vem a restauração e hotéis, cuja inflação já ultrapassa os 16% (1,64% há um ano).
A nível nacional os consumidores queixam-se do mesmo, pois em fevereiro, nas classes com maiores contribuições positivas para a variação homóloga do IPC, o INE destaca a dos ‘bens alimentares e bebidas não alcoólicas’, com uma variação de 21,5% (20,6% no mês precedente), o valor mais elevado desde maio de 1985.
Quem sobe os preços?
A polémica instalou-se nos últimos dias, com os sectores de distribuição, produtores e transportes a acusarem-se mutuamente pela escalada de preços.
A Associação Nacional dos Transportadores de Mercadoria (ANTRAM) recusa que o aumento do preço dos bens essenciais se deve ao transporte, esclarecendo que este não regista subidas que justifiquem as diferenças encontradas os supermercados.
ANTRAM acusa igualmente a associação das empresas de distribuição de mentir ao tentar relacionar estes aumentos com o custo de transporte, dizendo que isso “não corresponde à realidade”.
“O transporte de bens alimentares, face ao verificado antes dos níveis da guerra, não regista, atualmente, subidas que possam justificar os enormes aumentos dos bens alimentares”, de acordo com a ANTRAM.
Acrescenta a associação que a importação de bens alimentares de outros países não aumentou face aos valores pré-guerra na Ucrânia e que o transporte, em território nacional, está em valores “muito próximos” daqueles que se registavam antes do conflito.
A ANTRAM admite, para o transporte em território nacional, uma subida entre 5% e 7%, sublinhando que isto não justifica os aumentos dos bens essenciais encontrados nos supermercados, com “subidas de 25% e 50% e margens brutas de lucro que chegam a passar os 50% em vários produtos”.
A associação lembra que, na estrutura de custos das empresas de distribuição, o custo de transporte não é um dos principais, “sendo sempre largamente ultrapassado pelo valor das mercadorias”, para afirmar que os transportes não podem justificar mais do que uma subida muito marginal dos bens alimentares, “certamente abaixo de 1%”.
Em muitos casos, sublinha, “não importam qualquer subida”. “O seu a seu dono! O dono dos aumentos do preço da alimentação dos portugueses não são os transportadores”, insiste a ANTRAM.
Margens de lucro superiores
a 50% na cebola!
Na semana passada, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) disse que o setor do retalho alimentar não aumentou as margens de comercialização, depois de a Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE) ter instaurado 51 processos-crime por especulação em fiscalizações a 960 operadores e detetou margens de lucro superiores a 50% na cebola.
O cabaz alimentar, definido pela ASAE para calcular a evolução dos preços — que é composto por bens essenciais -, aumentou quase 29% desde 2022 e até fevereiro deste ano para 96,44 euros.
No comunicado divulgado na quinta-feira, a APED garantiu que o setor do retalho alimentar não aumentou as margens de comercialização e lembrou que a distribuição “está a comprar os produtos cada vez mais caros”, já em 2023, aos fornecedores (indústria e produção).
A culpa é dos fertilizantes...
Indicou igualmente que estes aumentos no início da cadeia refletem a subida dos custos dos fatores de produção decorrentes dos aumentos dos preços dos fertilizantes, das rações e de outros custos relevantes.
Nesse contexto, aponta o caso do leite “que está 75% mais caro nas lojas, precisamente o aumento que os fornecedores passaram para a distribuição”, indicando que “isso mesmo foi referido há 3 dias pela FENELAC [Federação Nacional das Cooperativas de Produtores de Leite]”.
E quem lucra?
Até setembro de 2022, a Jerónimo Martins — dona do Pingo Doce — viu os lucros aumentar 29% para os 419 milhões de euros.
Já a Sonae, dona do Continente, registou lucros de 210 milhões no mesmo período, mais 33% do que um ano antes.
Nos Açores desconhecem-se os lucros das maiores empresas de distribuição e a Inspecção de Actividades Económicas não fornece dados relativos às empresas que inspecciona, onde já encontrou, inclusivé, preços nas prateleiras diferentes de quando se vai pagar no caixa.