Diário dos Açores

É nisto que creio

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1.- A celebração móvel do Dia da Região Autónoma dos Açores, em Segunda-feira do Espírito Santo, invocando o argumento de “ser o mais popular dos dias de repouso e recreio em toda a Região”, fez com que o Parlamento Açoriano o escolhesse “como [data da] afirmação da identidade dos açorianos, da sua filosofia de vida e da sua unidade regional base e justificação da autonomia política que lhes foi reconhecida e que orgulhosamente exercitam”.1
A controvérsia que então se gerou e que hoje parece ultrapassada, está, em meu entender, relacionada com o “aproveitamento” da celebração religiosa católica de dimensão regional para assinalar o Dia da Região Autónoma, contrariando a não-confessionalidade do Estado, a “liberdade de consciência, de religião e de culto” e o respeito por outras religiões cristãs ou não.
O cerimonial político do “Dia dos Açores” tem uma dimensão restrita, servindo, sobretudo, para relevar os agentes dos poderes autonómicos.
Pese embora as invocadas “ligações religiosas” ao Espírito Santo, o Dia da Região continua a ser uma excrescência profana da tradicional e festiva Segunda-Feira, por não ter: envolvimento popular, partilha solidária do pão, das sopas e do vinho oferecidos pelas irmandades, não ombrear com a Alegria da Festa Maior de agradecimento ao Espírito Santo, protetor do Povo destas ilhas nas mais duras e diversas provações.
Confundir as duas celebrações revela uma aparente cumplicidade entre a Igreja Católica e o poder civil, por isso mesmo a autoridade diocesana, em tempo oportuno, deveria ter esclarecido publicamente a sua posição, chamando a atenção para a “promiscuidade” que tal podia significar. Tal não aconteceu, infelizmente.
O mesmo aconteceu mais tarde nas Festas Municipais do Espírito Santo em Ponta Delgada.      Tratando-se de celebrações litúrgicas sem história, (ao contrário do voto centenário da Câmara da Horta) fora do tempo litúrgico, cujo mordomo é o Presidente do Município, entidade a-confessional, a Diocese deveria ter-se pronunciado acautelando a dimensão eclesial do Pentecostes contra a dimensão folclórica do evento.
O culto ao Divino Espírito Santo envolve uma religiosidade popular muito profunda e arreigada na Fé dos crentes e isso deve ser respeitado e não pervertido.
Todo o cerimonial que lhe está subjacente advém de fenómenos de inculturação que duraram séculos, diferem de ilha para ilha e até de localidade para localidade.
Esta diversidade traduz-se nos manjares, nos sabores, nos doces típicos, na confeção e cozedura dos pães dos jantares e nas rosquilhas, bolos de véspera e na “massa” oferecida  nos arraiais dos impérios; na indumentária e nas cantigas dos foliões; na coreografia dos cortejos do Espírito Santo, no vestuário do mordomo, das rainhas e aias; na importância e simbolismo do estandarte e da coroa, diferente de ilha para ilha; nos quartos e dispensas do Espírito Santo; nos enfeites dos animais e dos carros de bois; nas diferenças arquitetónicas dos antigos triatros e das capelas do Espírito Santo; na ajuda fraterna e solidária, na partilha pelos mais carenciados, levados por uma profunda crença na Divindade que sempre atende a quem Lhe suplica ajuda para as dificuldades da vida.
Estes valores religiosos e estas manifestações ancestrais não se compaginam com a secularização, nem com rituais político-partidários, de cariz profano. Estão na alma do povo e na sua identidade.
Daí o Dia dos Açores passar ao lado das celebrações litúrgicas que envolvem jantares, a distribuição de pão, acompanhada sempre de Festa. Aí se manifesta a Fé do Povo simples e crente nos sete dons do Espírito Santo e a sua mais genuína e tradicional solidariedade.
2.- Não havendo outra oportunidade para os açorianos refletirem sobre a Autonomia Política e Administrativa e porque segunda-feira é o Dia da Região Autónoma dos Açores, julgo ser esta a ocasião de manifestar-me sobre a livre administração do poder pelos açorianos.
Acompanhei na Horta, em 1986, como repórter parlamentar, a discussão de bastidores e a unanimidade na aprovação do Estatuto Político Administrativo dos Açores. Mais tarde, na Assembleia da República constatei a aprovação unânime do Parlamento nacional. Apesar disso, gerou-se a chamada “guerra das bandeiras”.
Nesse tempo havia uma convicção firme e concertada de que as decisões eram tomadas no Palácio da Conceição e na Horta “proclamando que a autonomia expressa a identidade açoriana, o livre exercício do seu auto-governo e a promoção do bem-estar do seu povo” como dizia o preâmbulo do Estatuto de 1980. 2
Os agentes políticos de então, faziam a sua aprendizagem, cometiam erros, certamente, mas não deixavam que mãos alheias tomassem as decisões que eles entendiam ser as mais adequadas às imensas necessidades, agravadas pelas carências financeiras, com que se deparavam os açorianos.
Passaram várias décadas. Neste curto espaço de tempo, deve relevar-se a importância da nossa integração europeia e os fluxos financeiros que daí advieram para a transformação sócio-económica do arquipélago.
Em 1 de janeiro de 86, os Açores estavam num patamar tão baixo que nem o programa POSEI, ainda existente, nem mesmo o Estatuto de Ultraperiferia consagrado no artigo 349 do Tratado de Funcionamento da União Europeia nos conseguiram alavancar, pese embora as substanciais transferências vindas de Bruxelas.
Esta persistente incapacidade de dar o salto em frente deve fazer refletir os responsáveis e os açorianos em geral, sobre as verdadeiras causas do nosso atraso.
Admitindo embora a pequena dimensão do nosso tecido económico e as dificuldades em construir uma economia de escala, pergunto: estamos a apostar nos setores económicos que melhor aproveitam as nossas potencialidades endémicas? Como iremos aproveitar os novos programas europeus para o desenvolvimento de outras energias alternativas como a eólica e a energia solar, e que benefício se pretende tirar da nossa posição geoestratégica aérea e naval? No domínio da saúde: quanto temos de andar para os serviços de saúde das ilhas sem hospital, de forma presencial ou digital disponibilizarem aos utentes açorianos e visitantes melhores cuidados de saúde primários e secundários? E os nossos jovens: valorizamos as suas competências, a sua capacidade criativa e o seu espírito inovador? Ouvimos e respeitamos as suas opiniões? Valorizamos o seu trabalho e dedicação às empresas com salários justos, promovendo a fixação de mão de obra jovem?  
As questões interessam a todos, mas cabe sobretudo aos governantes dar resposta e aos cidadãos exigirem soluções. tendo em conta experiências de outros povos e regiões  ultraperiféricas que já ultrapassaram todas estas questões.
Refletir, auscultar e decidir consensualmente é a única e melhor forma de gerir os destinos de um povo.
Foi grande a coragem que trouxe a Autonomia até aqui, inovando e sabendo resolver  problemas sem a dependência de instâncias nacionais.
A nossa voz tem a força de cinco séculos de história e identifica um povo em diáspora espalhado pelo mundo.
    Todos juntos, os das nove e da décima ilha, prosseguiremos o desígnio por uma Autonomia democrática, competente, desenvolvida e solidária.
“Os Açores são a nossa certeza de traçar a glória de um povo.”3
1Decreto Regional nº 13/80/A
2Lei n.º 39/80, de 5 de agosto
3Do Hino dos Açores

José Gabriel Ávila*

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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