Diário dos Açores

A quem interessa eleições antecipadas

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Diário inconveniente

Após a audição dos partidos sobre as propostas do Plano e Orçamento para o próximo ano, perpassou pelo Palácio de Sant’Ana, mais uma vez, o fantasma das eleições antecipadas.
O tom duro das críticas à governação, mesmo por parte dos pequenos partidos que apoiaram a coligação, deixa antever que a discussão parlamentar em Novembro vai ser muito tensa.
A quem interessa eleições antecipadas a um ano do fim desta legislatura?
Quem se opõe à coligação reza para que as eleições fossem já hoje, por uma razão muito simples: o calendário eleitoral é francamente favorável a José Manuel Bolieiro e à coligação.
O ano que aí vem, de ciclo eleitoral para as regionais e europeias, é crucial para a aplicação de fundos comunitários, do PRR e do novo Orçamento de Estado. 
Interromper a aplicação destes instrumentos é colocar em perigo muitos investimentos programados, da ordem das centenas de milhões, que nunca poderiam ser desenvolvidos com um governo a gerir duodécimos.
Vejamos quais são os perigos.
O PRR, a tal “bazuca”, tem todo o ano de 2024 pra ser executado, até 31 de Dezembro de 2025.
Se não o executarmos, o mais certo é que Bruxelas nos obrigue a devolver as verbas, porque tem sido esta a política comunitária nos últimos anos quanto ao não executado.
É que a Comissão Europeia nem dá hipóteses de se equacionar um prolongamento de prazos de execução, até porque já foi dada uma oportunidade de reprogramação.
Não é por acaso que esta segunda-feira, em Ponta Delgada, o Presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, Pedro Dominguinhos, alertou que é preciso celeridade na aprovação de projectos.
Toda a gente se queixa, mesmo a nível nacional, da fraca aprovação e execução do PRR.
Interromper este ciclo seria a morte do artista.
À semelhança do que aconteceu na República com a crise política da ‘geringonça’, as eleições antecipadas adiaram o início dos fundos 2030 em um ano, pelo que uma crise semelhante nos Açores seria a perda irremediável do PRR e o mergulho numa profunda crise económica sem precedentes.
É que os fundos vão trazer aos Açores 580 milhões de euros, a dotação inicial à responsabilidade dos Açores, mais 64 milhões que a região garantiu de novas verbas da reprogramação e ainda 50 milhões que a República nos cedeu dos 117 milhões de gestão nacional, para fazer face a aumentos de custos.
Em resumo, só do PRR, teremos 694 milhões de euros para executar até final de 2025.
Se isto já é um desafio gigantesco para executar em dois anos, imagine-se o que seria com um ano perdido sem Orçamento Regional e com um governo de gestão a duodécimos...
Em condições normais, se calhar já vamos atrasados, abrandar este ritmo de investimento em todas as ilhas, na ordem dos 250 milhões ao ano, então seria um desastre.
É claro que tudo isto não valida que o Plano e Orçamento de 2024 tenha que ser aprovado como se fosse um cheque em branco, mas é bom que os partidos façam uma reflexão séria sobre as consequências para os Açores e famílias açorianas se uma crise política afectar irremediavelmente a aplicação do enorme envelope financeiro posto à nossa disposição.
Obviamente que a coligação vai apostar tudo neste discurso, porque lhe interessa montar este clima de alerta para a instabilidade agravada de uma crise política, deixando nas mãos dos restantes partidos a responsabilidade da aprovação ou não dos documentos.
A anteproposta do Plano será enviada ao CESA e aos Conselhos de Ilha até ao final de Setembro e a proposta de Orçamento e Plano deverá dar entrada no parlamento regional até ao fim de Outubro.
Na melhor das hipóteses teremos os documentos debatidos, votados e publicados em Novembro, para começar a preparar os investimentos logo que comece 2024, sem demoras.
Com este manancial nas mãos, interessa à coligação permanecer mais um ano no poder, para poder distribuir os fundos comunitários a seu belo prazer.
À oposição interessa eleições quanto antes, para não dar oportunidade à coligação de meter a mão na ‘bazuca’ europeia.
O dilema é que ninguém se atreve a assumir uma crise e é por isso que está explicada a ausência de qualquer moção de censura no parlamento.
O deputado do PAN, Pedro Neves, já veio lembrar que os partidos que quebraram a ‘geringonça’ nacional foram altamente penalizados pelo eleitorado, dando a maioria absoluta a um António Costa vitimizado.
O recado está dado ao IL e Chega, já que o deputado independente, Carlos Furtado, também vai dizendo que é adepto das legislaturas até ao fim.
De resto, a haver eleições antecipadas nunca seriam este ano, quando muito atiradas para o fim de janeiro, instalação do parlamento e governo em Fevereiro, debate e aprovação do programa do governo em março e só depois disto novo Plano e Orçamento. Seria um ano económico perdido.
O mais racional será os partidos próximos da coligação efectuarem várias rondas de negociações para tentar sair da contenda com alguma coisa que possa mostrar aos seus eleitores.
Negociar os dois documentos com o governo, apresentando propostas com alguma sensatez, não é nenhuma submissão, mas um acto de responsabilidade e de lucidez política.
Nos próximos meses vamos ter, portanto, dias agitados na política regional, como, aliás, se vai notando pela intensificação da vida partidária na rua.
À coligação interessa que os partidos da oposição, especialmente o PS, radicalizem o discurso, como têm feito, nos últimos tempos, alguns responsáveis socialistas, em contraponto com o discurso da “estabilidade”, “coesão” e “paciência” de Bolieiro.
De resto, as eleições açorianas, a verificarem-se daqui a um ano, vão estar muito condicionadas pelos resultados na Madeira, no próximo dia 24, e pelas europeias do próximo ano, a 9 de Junho.
Estes resultados eleitorais vão ajudar a definir muitas das estratégias das forças políticas na nossa região.
É só ficarmos atentos.

Osvaldo Cabral
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

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