O ponto de situação na administração da Cultura Açoriana nos últimos 3 anos - portanto, da esquerda à direita - está a chegar a um plano de insustentabilidade que faria a bipolaridade de Kafka dançar. Os directores regionais passam menos tempo na cadeira do que a duração dum voo São Miguel-Flores; o único que parecia estar a obter resultados apreciáveis (curiosamente também o único que não se pôs em bicos de pés em extensas entrevistas de apresentação à sociedade) teve de sair por motivos pessoais; os critérios de avaliação continuam bizarros (há mostras de cinema a receber apoios semelhantes a festivais de música, cuja logística é obviamente muito mais dispendiosa); recursos pura e simplesmente por responder; prorrogações que são concedidas para semanas depois chegar um ofício que te obriga à conclusão apressada do projecto, fazendo tábua rasa da decisão anterior; (in)decisões aos bochechos; declarações perfeitamente contraditórias dos responsáveis; pessoas de reconhecido valor saneadas de instituições, a quem é ‘pedido’ que façam o favor de arrumar as coisinhas e sair em 48 horas; e o valor total para os apoios culturais continua a ser de uns anedóticos 800 mil euros, mais trocos menos trocos.
Total. Portanto para tudo, de produções audiovisuais a peças de teatro, de bailinhos de carnaval a filarmónicas, de aquisições de instrumentos a festivais. A Maré de Agosto, o mais antigo evento musical do país (em permanência) recebeu, para a edição de 2023, menos de 4 mil euros. E ‘recebeu’ hoje. Sim, hoje. Para 2023, uma edição que já aconteceu. Sendo que, após este anúncio público oficial, ainda é preciso esperar que a) chegue o contrato, b) que se assine e devolva, c) que entre a primeira tranche, d) posto que a segunda só é transferida após a execução e aprovação de um relatório descritivo. Tudo muito bem e absolutamente certo SE os prazos fossem respeitados e cumpridos.
Porque o derradeiro problema nesta avalanche de caos são precisamente os timings inenarráveis. Hoje mesmo, 15 de Setembro de 2023, saiu em Jornal Oficial a lista de atribuição de um rol de apoios, sucedendo a uma pré-lista com um par de meses - e certamente a uma pós-lista, porque ainda faltam decisões sobre algumas candidaturas destinadas a... 2023. Ah, entretanto, o prazo para concorrer ao Regime Jurídico de Apoio às Actividades Culturais para 2024 acaba daqui a... 30 dias.
Restam assim eventos de reconhecido mérito em risco de morrer e pessoas incapazes de pagar as contas ao fim do mês. Mas, hey, faz 100 anos que nasceu a Natália. Viva a Cultura Açoriana.
Luís Filipe Borges *