A terra é grande na miragem e na lonjura. A floresta cresce sem ser semeada pelas mãos calejadas dos antigos. Falta gente aqui que cuide das heranças e faça medrar as pedras dos currais e dos serrados que já deram pão.
O vinho novo tem passaporte estrangeiro. Talvez por isso ganha fama e é laureado em casinos, com rótulos e medalhas douradas, cobradas com suor de trabalho mal remunerado.
A ilha é grande e propaga-se no céu para olhar em redor. Já não teme os antigos corsários que a invadiam na noite escura, antes dá sinal de si aos pássaros voadores que cruzam o Atlântico Norte em busca de paraísos perdidos.
Quem pensou que este não seria porto de aguada esqueceu-se de que mar e céu são estradas em movimento constante, abertas à descoberta e ao futuro.
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O Pico retomou a rota das baleeiras americanas e entrou nos mapas e roteiros das viagens de turismo. Sempre em crescendo.
Durante este verão, foi um rodopio constante de aeronaves, de lá para cá e de cá para lá, em direção à ilha Grande, às Américas e à Europa.
De há uns anos para cá, o movimento aéreo tem aumentos significativos. Este ano, até agosto, o número de passageiros desembarcados ultrapassou já em cerca de 9.600 o total do ano passado: 64.052 passageiros.
Não havendo ainda dados oficiais sobre a capacidade de alojamento, cinjo-me ao existente o ano passado que rondou as 2.900 camas, número superior ao do Faial que no mês de agosto atingiu as duas mil camas. (SREA)
Comprova-se, por estes números, o lema recente de que “Os Açores estão na moda” e, por arrastamento, a ilha do Pico também.
Até há poucos anos, era pouco comum ver-se passar por esta Ponta da Ilha jovens a pé. A situação, a meu ver, alterou-se, como se pode comprovar na aerogare do aeroporto do Pico, sinal de que a “Ilha Maior” cantada pelo poeta Almeida Firmino; a “Montanha do meu destino” cantada por José Enes; a ilha das “Pedras Negras”, de Dias de Melo; ou a ilha da “Memória da terra” de José Martins Garcia exerce um fascínio sobre os mais novos que, certamente, traduzem nas suas memórias de viagem.
Alguns optam por regressar e fixam-se no Pico. Quantos são, ao certo, não consegui apurar.
Recentemente, numa festividade desta Ponta da Ilha, a presença de casais estrangeiros, que dificilmente se confundem com os naturais, era tal que chamou-me a atenção. Indaguei junto de pessoas conhecedoras deste assunto (normalmente os comerciantes e empresários da construção civil são os melhor informados) e disseram-me que na Piedade residem cerca de meia centenas de estrangeiros europeus. Talvez seduzidos pelo clima, pela paisagem das ilhas em frente, pela facilidade de transportes aéreos e pelo acesso às novas plataformas digitais, etc. O certo é que os preços no mercado imobiliário aumentaram significativamente, de tal modo que os jovens picoenses vêem-se e desejam-se para adquirir uma casa.
O poder de compra dos estrangeiros é superior e uma casa antiga, mesmo sem condições de habitabilidade é facilmente recuperada e transformada num espaço acolhedor.
Não fosse a falta de mão de obra e o mercado imobiliário teria ainda maior expansão. Mesmo assim, de ano para ano, nota-se um desenvolvimento significativo do “Alojamento local”.
Quem fica a perder são os jovens que pretendem constituir família e ter o seu próprio lar, sem sair da terra. Para estes, as entidades públicas (Câmaras e Governo) têm a obrigação de encontrar, rapidamente, respostas que impeçam o êxodo para outras ilhas mais populosas ou a fuga para a União Europeia.
Os apoios financeiros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e outros fundos estruturais europeus têm em conta essas necessidades. Importa que as instituições atuem com celeridade e dinamismo.
Não sou contra a vinda de “novos povoadores”. A Ilha necessita deles para rejuvenescer e revitalizar-se. O seu elevado poder de compra, porém, faz-se sentir nos bens de consumo, no comércio e nos serviços e até na própria restauração. As consequências são por demais evidentes, no aumento da inflação.
Estas são situações novas que se colocam aos responsáveis e às instituições: ao empresariado, ao mercado do emprego e da valorização profissional e até à terceira-idade cujas subvenções sociais cada vez menos suportam os aumentos do custo de vida e os gastos com a saúde.
Numa ilha cada vez mais envelhecida, em que as projeções demográficas apontam para números inferiores aos 13 mil habitantes dentro de poucos anos, estes são fatores a ter em conta num processo de crescimento.
O Pico carece de “novos povoadores” que tragam vitalidade e dignidade aos que aqui nascemos e vivemos.
Dispensamos os possuidores de vistos “gold” que aqui pretendam instalar-se apenas para enriquecer-se a si próprios. Não são bem-vindos.
Que venham outros, iguais a nós, partilhar a ilha que é nossa e a beleza da “Montanha do meu destino”.
José Gabriel Ávila*
*Jornalista c.p.239 A
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