2. Da estruturação de uma fragilidade a uma narrativa passível de não ter credibilidade
Ao propor e fazer votar na Assembleia Legislativa Regional (ALRA) um Decreto Legislativo (DLR) que deveria ser um documento enquadrador, portador de uma visão para as políticas de formação profissional e emprego, assistiu-se a um enorme retrocesso. O que deveria ter sido uma evolução positiva do anterior diploma de 2004, foi mesmo um retrocesso, de uma enorme pobreza, no meio de uma enorme confusão de conceitos. Revogou-se um dos seus pontos essenciais, a obrigatoriedade de demonstrar a pertinência da abertura de um curso de formação profissional face ao mercado de trabalho, caindo um dos aspetos mais importantes de uma boa política de formação para o emprego; inverteram-se as prioridades, revogando a limitação ao apoio à contratação, abrindo caminho assim para a canalização de financiamento em massa a algumas organizações e não ao apoio a pessoas, às suas competências e à sua empregabilidade; e revogou-se a obrigatoriedade de estabelecer um Plano Regional de Emprego, o que deveria ser um verdadeiro documento estratégico da operacionalização, da articulação e da visão de médio prazo, dentro do Decreto Legislativo que deveria ter uma visão de década.
Espero que o próximo Governo Regional, que não o da coligação, retome esta questão colocando as grandes linhas de ação nas políticas de emprego e formação profissional desejáveis.
Não estou mandatado pelo PS para defender aqui o que este partido colocou, quando do debate na ALRA sobre este Decreto Legislativo a propósito da necessidade deste Plano Regional de Emprego, mas razão teve aquele partido. Há que observar que em toda a história da Autonomia dos Açores, o comportamento do desemprego e os impactos positivos da formação profissional foram sempre melhores nos períodos em que existiu um Plano Regional de Emprego em ação. E não foi por acaso.
Igualmente teve razão o PS quando propôs que se instituísse a obrigatoriedade de prestação de contas sobre os efeitos dos dispositivos, medidas e ações do Governo nesta área, o que obrigaria os Governos Regionais - quaisquer que eles sejam ou que venham a ser – a pensar mesmo no que estão fazendo. Este dever de accountability que as democracias nórdicas e britânicas utilizam, com bons efeitos, seria uma grande mais-valia.
Teria sido necessário fazer evoluir o diploma enquadrador das políticas de formação e emprego de 2004? Claro que sim, mas não como foi feito. Teria sido necessário reforçar o ajustamento da formação profissional às necessidades da economia incluindo os setores inovadores e introduzindo instrumentos mais aperfeiçoados, estabelecer um sistema de financiamento que deve evoluir, introduzir na Lei a obrigação de os serviços públicos de emprego darem resposta a cada utente dos serviços públicos de emprego num prazo limite (prazo que o Plano Regional de Emprego 2010 – 2025 colocava em100 dias – e que era cumprido). Nada disto foi colocado.
Deveria, ainda, como evolução positiva, ter sido instituído aquilo que seria o registo das competências de cada açoriano ativo, que seria uma verdadeira bussola individual e coletiva das competências dos cidadãos que tanto condiciona quer o projeto de vida de cada um quer o potencial de crescimento económico dos Açores. Que, aliás, já foi criado no Código do Trabalho, mas não aplicado nos Açores. Com este registo cada um ficaria com mais elementos para desenhar seu projeto de vida e a administração regional autónoma, ficaria, no computo geral, mais consciente do défice de competências que temos de colmatar. E um certo número de outros pilares centrais na política de emprego e formação ficaram, igualmente, por fazer.
O Ensino profissional tem de ser redimensionado, redistribuído, repensado, é certo. Mas não no sentido da diminuição, não no sentido da centralização e não no sentido da demissão do Governo na orientação das políticas de formação e emprego com visão regional. Sou dos que pensam que uma organização pode desaparecer quando deixar de ser necessária. É natural que as Escolas Profissionais desapareçam no dia em que isto acontecer. Mas agora são todas muito necessárias para a empregabilidade dos açorianos, o emprego, a economia dos Açores e a competitividade das empresas açorianas, num projeto político que devíamos estar a impulsionar e a implementar, não numa retração da formação profissional, mas na sua expansão.
Entretanto, a cruzar tudo isto há uma narrativa de um leque de apoiantes do governo que nem faz avançar o debate de ideias – tão necessário nestas importantes questões - nem permite às próprias pessoas que têm este discurso um pensamento claro, tão fechados estão na sua narrativa de autossatisfação. O que se passou no debate à volta da apresentação do DLR que referimos acima sintetiza muito bem isto.
Aconselharia ao Governo alguma modéstia quando se vangloria dos resultados do emprego e interpretasse com discernimento o que está a acontecer.
É necessário que se observe o comportamento face às políticas de emprego e formação no tempo. Já temos o distanciamento necessário para tal. E dois indicadores – a taxa de desemprego, que compara o número de desempregados com a população ativa que é o único indicador fiável e constante no tempo, e o Pib per capita que indica a capacidade de criação de riqueza por habitante de um território -, são os pertinentes. Ora, precisamente, quanto às taxas de desemprego, o período de governação do PS é o único período em toda a história da Autonomia dos Açores em que o desemprego foi, em média, abaixo do nacional, globalmente, em 24 anos. Efetivamente, entre 1997 e 2020 a taxa média de desemprego nos Açores foi 1,3 pontos percentuais abaixo da média nacional. Antes de 1996, com o PSD, foi de 0,3 pontos acima da média nacional e com este governo de coligação, desde janeiro de 2021 a taxa de desemprego é em média 0,2 pontos percentuais acima da nacional. Por outro lado, foram em governos do PS que o Pib per capita mais se aproximou da média nacional. Demos um salto de 14 pontos percentuais pois passamos de 77% para 91% do Pibpc nacional. E isto não aconteceu por acaso.
Concomitantemente, foram nos governos do PS em que o investimento na formação profissional foi mais intenso. Num ano em velocidade de cruzeiro, por exemplo 2011, houve mais de 20.000 pessoas em formação: 4.408 jovens em formação profissional inicial (cursos profissionais, cursos de formação em alternância, que agora, o governo chama de Dual, como se fossem inéditos, cursos Reativar para jovens que não concluíram o 12ºano, que agora desapareceram); 6.757 em formação de desempregados e trabalhadores;3.124 em TIc; 7.974 em Competências básicas.
Quando este Governo, ao longo da sua atuação, apresentar uma média de taxas de desemprego inferior à média do desemprego nacional, atingir taxas de desemprego nos 2% como os governos do PS atingiram (o menor desemprego de sempre em Portugal), investir na formação em cursos que implique mais de 15.000 pessoas por ano, virei, como dizia o saudoso Professor Luciano Mota Vieira, “dar a mão à palmatória”. Mas estamos muito longe e aconselharia a serem mais modestos e a não embarcarem em narrativas não sustentadas.
Até alguém da coligação, num tal entusiasmo que decorre de elementos de linguagem pré-fabricados, referiu: “vejam a diferença” (com os governos do PS, nas políticas de formação e emprego). Pois é isso mesmo: vejam a diferença.
Postscriptum: perante a narrativa a afirmar que eu estaria enganado pois o PO 2030 não teria os 540 milhões de € que eu tinha referido, reafirmo que se trata bem de 540 milhões de € para financiar neste PO ações que envolvem o FSE. Pela decisão da Comissão europeia C9665, que é pública, são exatamente 540.015.862€, que devem ser tidos em conta na planificação das ações a implementar nos Açores entre 2021 e 2027, sendo 85% de fundos comunitários e 15% de fundos públicos nacionais.
Rui Bettencourt *