“O principal problema é que vocês não votam nos Açores.”
- Luis Rodrigues, ex-Presidente do Conselho de Administração da SATA, em Montreal, a 14 de outubro de 2022
“Eu estou convencido que antes do fim do ano vai ser demonstrado que o elevado custo da operação não justifica a mudança que foi feita.”
- José Andrade, Diretor Regional das Comunidades, Governo dos Açores, em Montreal, a 1 de setembro de 2022
Eu não pretendo estender-me muito sobre o contexto daquelas duas citações que encabeçam este texto, mesmo se, a meu ver, elas refletem bem o pesadelo que as intervenções políticas vêm causando, ao longo do tempo, às actividades da SATA. Foram observações que me foram feitas, ou respostas dadas, em conversas com um pequeno grupo de indivíduos, quando, em dois jantares de convívio, aos quais eu fora convidado, na Casa dos Açores do Quebec, eu questionei a estapafúrdia decisão da SATA de retirar, em 2022, a rota estival Montreal/Ponta Delgada, para a substituir por uma nova rota Montreal/Terceira. Não havia lógica atrás de tal mudança, levando em conta que até cerca de 80% dos passageiros daqueles voos tinham Ponta Delgada como destino final. Como viemos a saber mais tarde, aquela adoidada decisão foi orquestrada e imposta pelo soberano da Terceira, o vice-presidente Artur Lima.
De um lado, nós, Açorianos micaelenses de cá, não tínhamos, e não tivemos desde então, uma voz política de influência que se levantasse publicamente, e que se interpusesse para tentar impedir a loucura do rei. Em privado, de portas fechadas, sim! Sei de fonte fidedigna de indivíduos, conscientes do impacto daquela desastrosa decisão, e da injustiça e do distúrbio que causava a este grupo de mais de 50.000 micaelenses e descendentes do Quebeque (representando 80% dos Açorianos que por cá residem), que tentaram interpor-se, mas era gente sem peso político, como, aliás, nós, os lesados, mesmo se, eles próprios, faziam parte do aparato da tutela. Afinal, diziam os bonzos governantes, não tínhamos razão de queixa: o Governo Regional dos Açores assumia o custo de nos trasladar das Lajes para Ponta Delgada. Nós, passageiros, apenas contribuímos, acrescento eu, com o nosso transtorno ou com qualquer eventual ansiedade que sofrêssemos. Portanto, boca calada! Quaisquer danos financeiros, e há-os, estão sendo acatados pelo erário público (os contribuintes) … e pela própria SATA.
Tanto numa daquelas respostas como na outra percebia-se que o Governo dos Açores era quem jogava com os peões. Segundo o que eu entendi do então CEO da SATA, fôssemos nós qualificados como eleitores para a ALRAA, a história teria tido outro final. A sua metáfora era límpida! Quanto ao comentário [informado] sobre os custos elevados associados àquela mudança, é claro que o traslado via SATA Air Açores ia acarretar custos operacionais adicionais, importantes e desnecessários. Não só para a SATA, como ainda para as finanças públicas da Região. Mas, valia tudo pelo rei e pelo seu PREIT (Plano de Revitalização Económica da Terceira).Registo, no entanto, que este ano, um ano depois, portanto, a rota Montreal-Ponta Delgada foi reestabelecida… e a ligação direta com a Terceira mantida, um contra-senso.
Seria injusto da minha parte atirar ao actual Executivo açoriano todas as pedras que tenho à mão, mesmo se é verdade que nada conseguiu fazer para salvaguardar aquela nossa pérola, ou fazer melhor que aqueles que o antecederam. Pelo contrário, contribuíram para o agravamento da situação crítica do Grupo Sata. Ao longo dos últimos mais de quinze anos, eu fui testemunha de escolhas e opções estratégicas erradas tomadas pela SATA, pelo menos em relação às suas actividades no mercado da nossa diáspora no Canadá, e intervim, pessoalmente, em várias ocasiões, incluindo em encontros e reuniões com diferentes representantes do Governo Regional e com dirigentes do Grupo SATA, quer em Ponta Delgada, quer aqui em Montreal. A minha primeira intervenção fi-la através de uma carta enviada, via fax e email, ao então Presidente do Governo Regional, Carlos César, a 20 de outubro de 2007, à qual, poucas horas depois, recebi um caloroso acusado de recepção, acompanhada de um caloroso abraço do Senhor Presidente. A minha euforia durou pouco, esvaziando-se quando, dias depois, fui informado que o assunto, as lamentações e as sugestões contidas naquela minha carta, juntamente com o pedido de uma audiência, foram dirigidas ao Gabinete do então Secretário Regional da Economia, Duarte Ponte. O resto é história, ao longo do tempo, repleta de frustrações, reviravoltas, volta-faces e desavenças, nada acrescentaria ao fundamento deste apontamento. Apenas acrescentarei que durante todo aquele período, de alguns anos, em que eu me “mantive em contacto” quer com gente ligada ao governo, quer com dirigentes do Grupo SATA, sempre me apercebi que tudo passava pela perspectiva e pelo escrutínio políticos.
Foram vários os que, até hoje, têm sucedido ao Eng. António Cansado, que, em outubro 2007, abandonou a presidência do Grupo SATA. Na época, disseram as más-línguas, e escreveram as plumas jornalísticas mais atrevidas que a sua saída resultava de divergências maiores (desmentidas por parte e outra) sobre as expectativas, a visão e as ambições transatlânticas de dirigentes do Governo Regional. Todos os que iriam suceder-se assumiram os seus cargos com promessas de mudar o que estava errado e de levar a SATA a novos e mais altos patamares. Quase nenhum era dono de um currículo que o qualificasse, de forma natural, para dirigir uma empresa aérea, menos ainda uma com o perfil da SATA, e, tão pouco ainda, com as ambições do seu acionista. Todos e cada um (excluo a actual CEO cujo mandato é, parece-me, um de “guardiã”) falharam, de uma forma ou de outra, na sua tentativa de limpar a casa e salvar a companhia. Assumiram decisões como a do “Cachalote”; a aventura brasileira; as repetidas tentativas falhadas de dinamizar as rotas com os mercados da diáspora; etc., etc. Todos e cada um tinham assumido seus cargos, não tenho dúvida, com a convicção de que teriam o respaldo do acionista para que pudessem impor a sua própria visão e a sua estratégia não obstante qualquer falta de “know-how”, em relação ao sector. Mas, a cada nova nomeação, o acionista, o Governo Regional acenava o “quem manda sou eu” e, pouco depois fazia funcionar a porta rotativa de executivos.
O caso de Luís Rodrigues é mais intrigante. O seu background preparava-o, claramente, para assumir a presidência do Grupo SATA, e durante as suas actuações, várias foram as iniciativas tomadas e várias foram as mudanças efectuadas que poderiam ter levado as diferentes partes do Grupo a compor-se. Mas, ele tão pouco parece ter-se livrado do jugo da tutela açoriana [“O principal problema é que vocês não votam nos Açores.”], mesmo se publicamente dava a entender que não havia interferência. Especulo que ele terá tido um papel importante – quiçá primordial – na negociação que levou o governo da república a conceder a ajuda estatal de 453,25 milhões de euros, embora que revestida do ultimato, sem dúvida já “negociado”, da Comissão Europeia para que houvesse privatização da Azores Airlines à altura de 51%. Especulo ainda que aquele cenário poderia ter-lhe dado a ambição de empacotar devidamente a parte internacional das operações do grupo, para uma eventual privatização. Mas, isso era sem contar que o governo de António Costa já lhe tinha posto os olhos em cima, como peça-mestre da encenação para demitir a então presidente da TAP, a francesa Christine Ourmières-Widener.
O resto é história recente e eu não me alargarei, detalhadamente, sobre o assunto. Outros já o têm feito nestas mesmas páginas. Mas, não posso calar a minha curiosidade e as minhas expectativas quanto ao que vem por aí: estarão os novos eventuais acionistas à altura, sobretudo financeira, mas não só, de levar a resgatada Azores Airlines a novos altos patamares? Haverá, em contrapartida da manutenção do Governo Regional no quadro acionista, alguma espécie de “Fundo de Resolução”? E, a que condições? O que é certo, é que o Governo Regional, com o seu novo estatuto de acionista minoritário, não poderá impor todas as condições que vem pretendendo, para “ceder” a jóia. Nem mesmo a “agilidade autocrática” do vice-presidente Artur Lima conseguirá influenciar o desfecho de uma transacção eventual, salvaguardando os interesses políticos da geringonça açoriana. Nem, tão pouco, a Comissão Europeia deixaria que tais interesses políticos viessem atropelar as negociações em curso. Fala-se pouco, parece-me, da bóia de 453,25 milhões de euros concedida pelo governo português naquele processo todo que deverá culminar com a antecipada privatização da companhia. E, quem vai pagar, ou melhor, quais vão ser as condições para resolver aquela dívida (açoriana)? Serão mesmo os contribuintes portugueses que irão, no final das contas, assumir quaisquer consequências, quando vier a hora de retirar a bóia da água? Se for isso o caso, qual será a quota-parte dessas eventuais consequências que irão sobrar para os próprios cidadãos açorianos?
Proponho, para acompanhar esta minha crónica, uma fotografia que eu próprio tirei, no dia do voo inicial da estapafúrdia rota, Montreal/Terceira, imposta pelo vice-presidente Artur Lima. Ocorreu a 15 de junho de 2022. A minha esposa e eu éramos passageiros, e estávamos a caminho de Ponta Delgada. Fomos informados, ao desembarcar, de que o Senhor vice-presidente do Governo Regional estaria na sala de chegadas do aeroporto da Lajes, para nos dar as boas-vindas. Eu fui dos últimos passageiros a entrar na sala, e lá estava ele, o Senhor vice-presidente Artur Lima, à nossa espera, numa espécie de conciliábulo, atrás de uma coluna, na companhia do presidente da Câmara de comércio de Angra do Heroísmo, Marco Couto, e do presidente do Grupo Sata, Luís Rodrigues. De que raios estariam conversando, que nem tempo tiveram para nos cumprimentar?...
Duarte M. Miranda, ComM *
(Comendador da Ordem de Mérito)