Diário dos Açores

Seis lições vindas da Madeira

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Como tinha previsto numa crónica publicada aqui, há três semanas, o resultado das eleições na Madeira ia ser analisado à lupa nos Açores, porque dele dependia a estratégia de alguns partidos para as regionais de Outubro de 2024.
Dito e certo.
Há seis lições que os partidos nos Açores podem já retirar e que, certamente, não gostariam de repetir cá.

1ª lição: Nunca se canta vitória antes do tempo. A coligação madeirense entrou em euforia com as sondagens. As eleições estavam no papo e até o líder nacional do PSD queria aproveitar-se da maioria retumbante em perspectiva. O resultado foi um balde de água fria para a coligação, mas principalmente para Miguel Albuquerque e Luís Montenegro, que já tinham idade e juízo para perceber que as sondagens não são eleições. Um banho de realismo faz bem aos políticos deslumbrados.
 A coligação açoriana vai, certamente, aprender que não se deve embalar pelas sondagens e muito menos fazer chantagem com os eleitores: “ou maioria absoluta ou vou-me embora!”, sob pena de ter de engolir tudo e perder credibilidade.

2ª lição: É um erro crasso fazer das eleições regionais uma leitura nacional. E vice-versa. Cada eleição é uma eleição. Os eleitores não são estúpidos e sabem distinguir. Mas o líder do PSD não soube, e apressou-se a correr para a Madeira esperando retirar dividendos nacionais de umas eleições meramente regionais. Arriscou e saiu-lhe a fava. Como líder fraco que é, escolheu a estratégia errada e foi obrigado a fazer aquele papel ridículo na noite eleitoral. Há-de servir-lhe de lição e, provavelmente, não arriscará repetir a dose vindo aos Açores na noite eleitoral. Bolieiro bem pode esfregar as mãos de contente.

3º lição: Uma coligação já não é suficiente para obter maioria absoluta. O PSD-Madeira tem um desgaste de quase 50 anos de governação, o que é um fenómeno, pelo que o pior resultado de sempre nas eleições de domingo acaba por nem ser uma descida brutal de eleitores (cerca de 6 mil).
O que era interessante saber é qual a mais valia da coligação com o CDS, um partido em definhamento nacional e com pouca expressão nas Regiões Autónomas.
Não é crível, com estes resultados, que as coligações pré-eleitorais tragam sinergias aos partidos coligados, que têm como consequência uma maior dispersão de votos pelas forças políticas mais pequenas em vez de concentrar o voto nos partidos maiores.
Como muito bem escreveu ontem, neste jornal, o Dr. Mota Amaral, ao analisar  este fenómeno da Madeira, “a consequência é a formação de maiorias parlamentares instáveis, ou de geometria variável, tornando os quatro anos do mandato num período de permanente sobressalto, com exigências a esmo e acordos publicamente rasgados, coisa de que temos já experiência adquirida na nossa Região Autónoma”.
Desta lição o PSD-Açores não se livra, porque Bolieiro já sentenciou que tem de haver coligação pré-eleitoral nas regionais do próximo ano.
Se Miguel Albuquerque, com a hegemonia histórica do PSD na Madeira, não conseguiu a maioria absoluta, é muito duvidoso que a coligação açoriana consiga ampliar a sua votação para mais uns milhares de votos para desequilibrar o resultado a seu favor.
O único círculo onde é possível desequilibrar o resultado face ao segundo partido é em S. Miguel, exactamente a ilha onde a coligação não possui dinâmica para isso e onde, aliás, se regista mais descontentamento e desilusão com a coligação, mesmo entre o eleitorado social-democrata.

4ª lição: O PS é o grande derrotado na Madeira. Haverá, com toda a certeza, razões próprias dos madeirenses para não confiarem nos candidatos, nas propostas e até no  apagado líder socialista. Mas há um efeito de retórica política nas Autonomias que também poderá ter prejudicado os socialistas, que é a permanente queixa, comprovada, dos Governos Regionais, de que o Governo da República só tem prejudicados as duas regiões, não cumprindo uma série de promessas, até inscritas em Orçamento de Estado, e aplicando um garrote às pretensões regionais. António Costa poderá ser um político astuto, mas é um líder medíocre, muito oportunista e com uma estratégia política muito umbilical. Prejudica os socialistas insulares, que se sentem embaraçados, e até secou o PS-Madeira ao levar para o governo Paulo Cafôfo, o único líder socialista madeirense que tinha conseguido um resultado mais próximo do PSD. É uma lição para o PS-Açores, cujos responsáveis andam colados ao Governo da República, em defesa das asneiras em relação aos Açores e Madeira. Enquanto que os socialistas locais não se descolarem deste arrasto a António Costa, mesmo que isto custe aos dois Césares (que vivem politicamente, a nível nacional, à custa de Costa), não irão longe.
Quanto mais os socialistas insulares se encostarem ao governo desastroso de Costa, mais castigados serão.

5ª lição: O quadro político está mais fragmentado. Os pequenos partidos, à direita e à esquerda, vão absorvendo, cada vez mais, os votos de protesto e dos desiludidos com o sistema. A direita é a mais prejudicada, com a ascensão do Chega e do Iniciativa Liberal. Vai ser interessante seguir, nos próximos dias, a estratégia do Chega nos Açores e a posição de André Ventura face à coligação açoriana. Acossado com a retaliação do PSD na Madeira e com Luís Montenegro a afirmar, finalmente, que não fará coligações com o Chega a nível nacional, Ventura poderá estar tentado a descolar de vez da coligação nos Açores,  em resposta à retaliação social-democrata.
Resta saber se José Pacheco vai na conversa, ele que conhece agora melhor o eleitorado açoriano, que é conservador, fiel a compromissos, e poderá ser castigado nas urnas por isso. É muito capaz de, agora, o voto no próximo Orçamento Regional, em Novembro, ser diferente do que o inicialmente previsto. É que a dinâmica de vitória na Madeira, com a eleição de 4 deputados, é uma tentação para ir já a votos nos Açores. Bolieiro vai ter que trabalhar muito para convencer o IL, o deputado independente e o PAN, se pretender ver-se livre do Chega.

6ª lição: A abstenção, em todas as eleições, é uma fantochada. Alguém acredita que há 253 mil eleitores na Madeira, que tem uma população de exactamente 253 mil pessoas? Claro que os cadernos eleitorais estão todos desactualizados neste país: nas nacionais, nas regionais,nas presidenciais, nas autárquicas e nas europeias. A abstenção, em qualquer eleição, está sobrevalorizada, completamente desvirtuada. É o que faz não actualizarem os cadernos.
Culpados: os partidos políticos que gostam deste sistema, em que eles é que mandam e abominam a concorrência de grupos independentes. Depois, no caso dos Açores, se houver uma limpeza nos cadernos eleitorais, é muito provável que haja uma redução de deputados, como consequência da lei eleitoral. Ninguém quer isso. Acrescente-se uma Comissão Nacional de Eleições velha, que não serve para nada e que não se moderniza. A terceira força política na Madeira foi o grupo de cidadãos Juntos Pelo Povo, um partido nado e criado no concelho de Santa Cruz em 2015. Imagine-se se fossem autorizados partidos regionais e se o sistema permitisse a candidatura de cidadãos independentes. Os partidos não querem, fingem que choram na noite eleitoral com os níveis de abstenção e depois esquecem durante os quatro anos da legislatura. Uma hipocrisia do nosso sistema, que só enfraquece a democracia e a participação cívica. É por isso que ninguém liga aos partidos e, cada vez menos, aos políticos.

Osvaldo Cabral *
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

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