“Nem sei bem por onde começar. O que falarmos não sai daqui, certo? Sabe, há coisas que nunca contei a ninguém. O que me traz cá? Nem sei por onde começar. Só consigo dizer que não estou bem. Já devia ter procurado ajuda há mais tempo mas achamos sempre que conseguimos resolver, não é? Que estas coisas das depressões não existem. É uma doença difícil de entender e que os outros não compreendem. Se calhar estou a pagar pela língua… Eu também achava que estas coisas eram só para os fracos. Diz-me que a fragilidade é diferente de fraqueza e que todos temos limites? O que é pena é o tempo que demoramos a aceitar isso. Aguentei o sono que deixou de aparecer, como se a almofada ligasse uma máquina de pensamentos. Aguentei a tristeza que parecia não passar, como se só houvesse negativismo, quando chorar já não aliviava. Achei que era normal ter menos prazer em fazer coisas, que não querer estar com os amigos e com o marido (a todos os níveis entende…) era uma fase. Que o cansaço era normal pelas exigências que não paravam de aparecer. Que o peso e o apetite sempre a mudar, que a concentração que parecia fugir a cada instante ia passar. Sabe, passa muita coisa pela cabeça quando nos sentimos inúteis, desesperados e culpados por não conseguirmos viver como dantes. Só quebrei, só percebi algo estava mesmo mal quando me faltou a vontade de estar com os meus filhos. Só aí procurei ajuda especializada, junto da Medicina e da Psicologia. Custa muito pensar nisso. Com tudo isto devo ser um caso perdido. Acha que ainda vale a pena ter esperança?” Claro que sim.
Este relato inspira-se nas histórias de coragem, marcadas pela depressão. A depressão é uma doença que afecta 322 milhões de pessoas, segundo a OMS, constituindo a maior causa de incapacidade. Em Portugal estima-se que entre 5,7 a 7,9% da população possa estar deprimida.
A depressão afecta de forma abrangente o funcionamento das pessoas, diferenciando-se de uma simples flutuação de humor ou de um estado emocional marcado pela tristeza que nos afecta de forma transitória.
A depressão é tratável, sendo importante uma intervenção precoce. Os psicólogos desempenham um papel importante, na sua prevenção e tratamento.
Vamos, mesmo, falar de depressão, sem medo e com a certeza que é possível travar esta epidemia silenciosa alimentada pelo preconceito, pela ausência de respostas proporcionais às necessidades ou pela procura tardia de uma intervenção especializada. Aqui fica o desafio. Para todos.
Fique bem, pela sua saúde e a de todos os açorianos.
Um conselho da Delegação Regional dos Açores da Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Filipe Fernandes *
* Vogal da Direção da DRA-OPP