A discussão sobre a mobilidade integrada aqueceu, muito recentemente, o debate na Assembleia Legislativa da Região, depois do Bloco de Esquerda ter submetido à apreciação dos deputados uma proposta para implementar a possibilidade dos utentes dos transportes públicos poderem usar qualquer meio de transporte adquirindo um só bilhete.
Foi unânime que a proposta era muito pertinente e de grande mérito, mas alguns houve que se apressaram a justificar a dificuldade, e mesmo até a impossibilidade, da sua aplicação dado não existir nos Açores uma bilhética integrada.
Dá sempre muito jeito ter à mão um “palavrão” técnico quando se pretende justificar o injustificável; elimina a possibilidade do cidadão comum poder argumentar dado o teortão científico de tamanho palavrão, a bilhética.
E E adiantou-se com pronta diligência que a mesma trará um custo enorme a todos os operadores de transporte público de passageiros, o que tem constituído uma dificuldade acrescida ao aranque do processo.
Deste pormenor não tenho a menor dúvida pois não foi necessário implementar à priori semelhante sistema para que a mobilidade integrada e multimodal fosse uma realidade nas diversas cidades europeias onde esta possibilidade já existe, nalgumas delas, há mais de duas décadas.
Sabendo que, desde 2012, existe na Secretaria que tutela os transportes terrestres um Plano Integrado de Transportes (PIT), para todas as ilhas dos Açores e no Triângulo integrando inclusivamente os transportes rodoviários e o marítimo, percebe-se a táctica utilizada para se poder justificar o injustificável; o facto de ainda não se ter implementado a tão almejada mobilidade integrada e multimodal, ao fim de 10 anos.
Se a mobilidade integrada e multimodal não existe deve-se somente à inércia dos governos desde então. E mesmo que o tal Plano não fosse o ideal, já se teria o retorno da experiência ao longo de uns bons anos, o que permitiria agora melhorá-lo para bem dos utentes.
Vejam os então, como exemplo, o que está implementado no Cantão de Zurique, para se entender que o sistema pode ser bem simples de levar à prática
A cidade de Zurique tem cerca de 400’000 habitantes e todo o Cantão aproxima-se dos 1’500’000 de habitantes, distribuídos por 1’730 km2.
O Cantão está dividido em 12 distritos e as principais cidades são: Zurique, a Capital, Winterthur, Bülach e Uster (vejam-se os distritos na Figura 1).
O transporte público em Zurique tem dezenas de operadores, que vão desde os autocarros, ao comboio, ao metroligeiro de superfície, aos eléctricos e aos barcos.
Os utentes podem escolher, e comprarem qualquer um dos operadores, entre um bilhete de ponto-a-ponto num só operador, ou podem escolher um bilhete integrado e multimodal.
Nas duas modalidades, podem ser adquiridos bilhetes diários, carteiras de 15 bilhetes diários, e passes mensais, semestrais ou anuais.
O Cantão é dividido em zonas e o preço dos bilhetes aumenta consoante o número de zonas onde o utente pretende viajar.
Veja-se o mapa de todas as zonas no Cantão de Zurique na Figura 2.
O preço dos bilhetes ou passes integrados e multimodais para cada uma das zonas, é calculado de forma proporcional tendo em consideração a cobertura geográfica de cada operador e os kilómetros correspondentes, afectados pelo preço médio por km desse mesmo operador, e considerando o que será a viagem média diária espera dado utente tipo.
O preço de cada bilhete ou passe é aumentado consoante o número de zonas onde o utente pretenda viajar.
Cada operador é ressarcido também de forma proporcional, considerando os mesmos pressupostos usados no cálculo do preço dos bilhetes integrados e multimodais.
Assim, se setiveram3 operadores, cada um dos operadores será ressarcido numa percentagem fixado total das receitas provenientes destes bilhetes (veja-se o exemplonaTabela1).
Operador
Cobertura
[km]
PreçoMédio
[EUR / km] Percentagem
[%]
A 200 1.3 60
B 100 1.1 26
C 50 1.2 14
Tabela 1: Exemplo do Cálculo da Percentagem para o Ressarcimento de cada Operador (valores hipotéticos)
Nota: Refira-se que os valores apresentados são hipotéticos e meramente para efeitos demonstrativos
Ou seja, o operador C seria ressarcido em 14% do total das receitas obtidas pelas vendas do bilhetes de mobilidade integrada e multimodal, o operador B em 26% e o operador A, o que tem maior cobertura de rede, em 60%.
O sistema não se mantém estático e muito regularmente são feitos inquéritos nos transportes públicos para que o perfil médio do utente tipo seja mantido sempre actualizado e o mais próximo possível da realidade.
O mesmo se passa com os preços médios dos operadores, que são regularmente aferidos e, ao fim de uns anos, tenderão naturalmente para uma uniformização dos valores entre operadores de meios de transporte idêntico.
O sistema actual alastra-se por todos os cantões, constituindo-se assim como uma realidade em todo o país
Este esquema funciona, sem sobressaltos, há mais de 20 anos.
A complexidade de semelhante sistema será muito inferior no caso dos Açores, dado que somente nas ilhas do Triângulo se terá a multimodalidade, pela integração do transporte marítimo nas redes rodoviárias; em todas as outras ilhas tratar-se-á somente de integrar os operadores rodoviários incumbentes.
Mesmo que no início o sistema não seja o óptimo, certamente que a experiência obtida no de curso da operação e a regular monitorização dos preços de cada operador e o conhecimento mais detalhado do perfil do utente médio tipo, permitirá que se caminhe para a sua opimização.
O óptimo é sempre inimigo do bom; e num caso como este, o importante é comerçar-se; e com o tempo afinam-se os pequenos detalhes que se mostrem desajustados.
Havendo vontade política, desligando o complicómetro da tão mencionada bilhética, e promovendo-se o diálogo e o entendimento com todos os operadores em cada uma das ilhas, a mobilidade integrade e multimodal poderá ser, muito em breve, uma realidade em todas as ilhas dos Açores.
Nuno Ferreira Domingues *