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Saúde Pública e a Saúde do público, semana a semana (33):

O que mata, aos poucos, a Democracia

A Ciência da Semana: a tal normalização, inaceitável

Actualmente, mais de 1 centena de artigos científicos demonstram danos no sistema imunitário, causados pela COVID19. Há uma explicação científica, causal, directa, para os surtos sem precedentes de muitas outras doenças. A narrativa da “normalização” anda à volta de  explicações especulativas. A estratégia certa dos decisores só pode ser uma: ignorar essa narrativa.
A infecção por SARS-CoV-2 tem um aspecto crítico, que muitos ainda não compreenderam: este vírus afecta-nos de forma diferente. As crianças são mais susceptíveis a agentes transportados pelo ar, como a tuberculose, ou o VSR. O ambiente escolar “encapsula e força a partilha de ar”, cheio de agentes biologicamente perigosos, e os sistemas imunitários das crianças ainda estão em desenvolvimento, tornando-as mais vulneráveis a tais infecções. Além disso, há evidências crescentes de comprometimento cognitivo em crianças, pós-COVID. “Isto é preocupante, mas tem sido ofuscado pela nostalgia da normalidade e pela perigosa ideia de que a “perda de aprendizagem” (por perda da proximidade com humanos) é prioritária à “perda de células cerebrais”, pelas infecções”, dizia um respeitável cientista na passada semana. Sempre concordei que a mudança temporária para o ensino à distância é bem menos prejudicial do que expor as crianças a um vírus, que pode comprometer as suas capacidades no futuro. Em crianças, erros de cálculo são trágicos por décadas. Os adultos, por outro lado, enfrentam problemas vasculares, endócrinos, digestivos e, potencialmente, uma maior susceptibilidade a infecções fúngicas. Estes não são apenas riscos abstratos; são as consequências diretas de infecções repetidas por COVID-19.
O que é frustrante é que estes resultados seriam evitáveis. Mas, parece haver falta de vontade para mudanças. As palavras do antigo Cirurgião Geral dos EUA, Dr Jerome Adams, são brutais: “Estamos de facto perante um “défice imunitário”, não devido à falta de exposição a vários agentes patogénicos, mas devido a uma exposição esmagadora a um vírus específico”.
Este vírus não é apenas uma doença passageira; tem implicações a longo prazo, que se vão revelando a todos nós. As escolhas feitas, impulsionadas por determinados grupos e pelo desejo de normalidade, levaram-nos ao ponto actual. É essencial que compreendamos isto, não para nos debruçarmos sobre o passado, mas para fazermos as escolhas certas no futuro.
 
Os dados para análise: os Flautistas de Hamelin

No NY Times, Noam Scheiber (que escreve sobre condições de trabalho), num trabalho de 3 de Dezembro de 2023, explica “Porque é que médicos e farmacêuticos estão revoltados (nos EUA)”.
Nos EUA os médicos querem aliviar a sua carga de trabalho, insustentável, mas não são os únicos profissionais de saúde que se estão a sindicalizar ou protestar em maior número, como reação. Os enfermeiros, fizeram 8 “greves” no ano passado – o maior número numa década – e estão a caminho de igualar, ou ultrapassar, esse número este ano. Neste outono, dezenas de farmacêuticos não sindicalizados disseram que estavam doentes ou abandonaram o trabalho, como protesto contra a falta de pessoal, muitos deles por um dia inteiro ou mais. As razões para as recentes ações pelos direitos laborais parecem claras: médicos, enfermeiros e farmacêuticos dizem que estão a ser solicitados a fazer mais, à medida que o pessoal diminui, levando à exaustão, e à ansiedade em colocar os pacientes em risco. Muitos dizem que foram levados ao limite após o início da pandemia, e que as suas exigências de trabalho nunca diminuíram. Mas, segundo o articulista, a explicação é mais profunda: a consolidação a longo prazo da força das “empresas de cuidados de saúde” faz com que os trabalhadores se sintam impotentes perante as grandes burocracias. Esta tendência deixa pouco espaço para que eles exerçam em pleno o seu julgamento profissional. No mundo destas grandes empresas aumentam as métricas de desempenho que, na verdade, são mais adequadas a “comerciais” e “vendedores”, do que a guardiões de Normas e “melhores práticas”.
Esta tendência nos cuidados de saúde acontece com profissionais que já gozaram de um estatuto social de alto nível, na sociedade. Durante anos, muitos médicos acreditaram que estavam fora da hierarquia tradicional, particularmente no sector público. Há, inclusive, aqueles que se gabam (ainda) que um Hospital público, o “seu hospital” como dizem, funciona como uma pirâmide invertida: no topo estão os “directores de serviço”, acima da administração (esta “apenas assina o cheque”). Não fosse o Tribunal de Contas e este modelo seria “perfeito”. Um verdadeiro despotismo, assente numa “aristocracia”, nomeada por grupos de interesses e sociedades secretas. E os cidadãos utentes, onde ficam…? No lugar do costume, na lista de espera. Ora, para as empresas de cuidados de saúde os médicos são trabalhadores, independentemente de quão elite possam ser vistos. São engrenagens de uma roda: o médico ou o operário de uma fábrica é tratado exactamente da mesma maneira, por essas grandes empresas.
Claro que a História não começa assim: no início os profissionais de saúde têm margem de manobra e recursos, para fazer o seu trabalho adequadamente, Com o passar do tempo, e com a consolidação do peso das empresas de cuidados de saúde, cada vez maior, os trabalhadores ficam com cada vez menor influência. O articulista refere que, nos EUA, nessas grandes empresas de cuidados de saúde, os farmacêuticos estão sujeitos a métricas de desempenho, como a rapidez com que atendem o telefone, ou a porção de receitas que são aviadas para 90 dias, ao invés de 30 ou 60 dias (prescrições mais longas significam mais dinheiro adiantado). A mudança, para médicos e enfermeiros, ocorreu de forma semelhante: à medida que os consultórios médicos independentes perceberam que tinham perdido influência na negociação com as seguradoras, muitos médicos recorreram a sistemas de saúde maiores, que, pela sua dimensão, poderiam garantir melhores negócios. O Sistema recompensa, depois, as empresas de maior dimensão. Os administradores avaliam o seu pessoal médico de acordo com métricas ligadas à saúde dos pacientes e implementam uma variedade de incentivos. No fundo, “a empresa diz como cuidar dos pacientes”. Vemos “administradores hospitalares” com teorias de gestão emprestadas de outras indústrias, como a indústria transformadora, mas que desconhecem totalmente o funcionamento do sector da saúde. E, por isso, fazem disparates atrás de disparates. Ou políticas de saúde encomendadas a consultoras, que pouco ou nada sabem de saúde. Vemos até documentos estruturantes encomendados, a peso de ouro, a quem não conhece a realidade factual… Algumas métricas, pelas quais os profissionais de saúde são avaliados, como a satisfação dos pacientes, faz os profissionais sentirem-se balconistas, ao invés de profissionais médicos.
A pandemia ampliou disfunções e revoltas, nos EUA. Médicos e enfermeiros descobriram que as suas “caixas de entrada”, já cheias, estavam a transbordar, à medida que pacientes assustados procuravam aconselhamento. O ponto de ruptura ocorreu quando o auge da pandemia passou, mas as condições não melhoraram. Noutras longitudes, foi-se alertando hiperactivos responsáveis, mal aconselhados. A hipertrofia do Ego e a falta de sentido de auto-crítica nem sempre permite  perceber a dimensão da responsabilidade associada aos cargos. No sector da saúde, no “fim da linha” estão pessoas, estão vidas, o maior Valor das sociedades ocidentais. E, obviamente, quando comportamentos próprios de gangues, ou decisões sustentadas em racismo, põem em risco a vida de doentes, tudo o mais deixa de interessar. O Dever – a defesa da Vida humana – impõe-se, assim como uma enorme vergonha alheia.

A homenagem da semana: a “doença” do “princípio da igualdade”

Este Princípio impõe aos poderes públicos um tratamento igual de todos os seres humanos perante a lei e uma proibição de discriminações infundadas, sem prejuízo de impor diferenciações de tratamento entre pessoas, quando existam especificidades relevantes que careçam de proteção. A Constituição portuguesa, no seu Artigo 13.º (Princípio da igualdade), estabelece:
“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
Não é de hoje a discriminação na administração pública, e em empresas públicas, por razões políticas. Noutros tempos altos responsáveis faziam-no à descarada. O que talvez seja inédito é vermos, como vítimas dessa discriminação, cidadãos associados a partidos políticos do Poder, da coligação. De forma igualmente descarada. Vamos entrar, em breve, na Campanha eleitoral. As  evidências destas canalhices devem ser mostradas publicamente, para que os cidadãos vejam o que seus representantes não querem ver. Muitos têm previsto que será uma “Campanha suja”. Pelo que se vai vendo e ouvindo, tudo indica que sim. E só me refiro ao sector da saúde. Sem incluir aqui a denúncia de perseguições reles.

Mário Freitas*

*Médico consultor (graduado) em Saúde Pública, competência médica de Gestão de Unidades de Saúde

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