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História recente da autonomia açoriana

Este texto foi preparado para a época festiva do Natal de 2023. Não tive oportunidade de o publicar; mas não resisto publicá-lo, e concluí-lo, porque ele representa, para mim próprio, uma imagem identitária da história recente dos Açores. Por infelicidade vivemos num estádio evolutivo muito inicial de política e democracia; de tantos anos no esquecimento da bruma não fomos habituados a discursar a política, a conversar sobre a política, a discutir sobre projetos e nem sequer pensámos em ideias estritamente nossas, inteiramente insulares. Fomos fortes para dominar o tempo e a terra brava, e fomos apanhados de surpresa com a autonomia política e, mais a mais, democrática. Acabámos de chegar e ainda agora começamos. Em termos de dignificação da nossa personalidade universal – ainda somos tenrinhos; e essa fase, que há de passar, ainda somos meramente clubistas e superficiais; acreditamos na política como se fossem os nossos dirigentes desportivos; vemos a autonomia como um privilégio, quando é um direito e uma obrigação. Mas vamos chegar lá, como todas as sociedades pequenas fazem, lentamente, mas continuamente. Em cinquenta anos de democracia e a dois anos de fazermos meio século de autonomia política – só devemos ter no nosso desejo a esperança; todo o resto, com trabalho, faremos sempre melhor.
A recente história política dos Açores parece indicar-nos quatro momentos sob certa perspetiva. Vamos ver quais relacionando com musicalidades que as representam no meu imaginário.
De 1976 a 1982. Este período é de perplexidade. Represento-o com o tema musical da 5.ª Sinfonia de Beethoven, a abertura com as conhecidas notas fá#-fá#-fá#-ré…, fá#-fá#-fá#-dó…
Passar dum Estado autoritário de 1974 para um Estado democrático em 1976; passar de uma autonomia administrativa distrital para uma autonomia política, constitucional e legislativa – é um colosso político de que poucos se podem gabar de ter assistido e vivido. Foi nesse ambiente de euforia política que se deram os primeiros passos na criação do Estatuto Provisório, o 1.º parlamento e o 1.º governo, as primeiras leis regionais de origem autonómica, as primeiras orgânicas governativas, e os diplomas sobre problemas concretos da sociedade. Quem tinha idade para participar, foi um gosto indizível; quem teve a felicidade de assistir e perceber o nascimento do planeta que se denominou Região Autónoma dos Açores, não teve menor gosto. É um período de grande emoção em todos os níveis da sociedade. É aquele tipo de felicidade que os primeiros povoadores tiveram quando povoaram a Terceira, agrupando-se na distribuição dos espaços e dando início ao princípio dos tempos da autonomia açoriana.
De 1982 a 2000. Este período é de alegria, com o tema musical da 9.ª sinfonia de Beethoven, o Hino da Alegria, sobretudo a parte final Coral.
Nesse ano e seguintes o país ganhou um solavanco em frente. Até então os militares nos órgãos políticos transpiravam a revolução; a partir daqui a democracia dá o salto quântico nos quadros da democracia, por isso mesmo a década de 1990 foi riquíssima em diplomas fundamentais. As leis regionais, em 1982, ganharam lugar de destaque junto às leis do Estado no texto da Constituição: a lei regional na Região tinha a mesma força jurídico-constitucional a que a lei estadual. Nos Açores viveu-se um período de franco crescimento. O PSD tinha governado de 1976 a 1996, e o PS a partir daí. Deu-se um enorme salto na qualidade das vidas das pessoas: o princípio custou mais porque se construíram estradas, hospitais e centros de saúde, aeroportos e portos e toda uma panóplia de funcionalidades, a própria sociedade entrecruzou-se com os governos e a sociedade viveu um período de grandes reformas.
2000 a 2020. Período da profundidade humana, com o tema de entrada do 2.º andamento da 3.ª Sinfonia de Beethoven, musicalidade que nos leva a emoções de miséria e felicidade ao mesmo tempo. Quando era jovem li um livro cujo autor tinha a seguinte imagem/desenho da história da humanidade: uma pedra lascada, a 3.ª sinfonia de Beethoven e o homem na lua.
Este período a autonomia tinha as traves-mestras para vivermos melhor e em muitos aspetos vivíamos. Mas, a par disso, travaram-se projetos de grande dimensão futura e os governos enredaram-se em esquemas políticos que agravou muito as famílias, nascendo aqui a pobreza em grande escala e outros problemas sistémicos que ainda sentimos. Ou seja, um período em que a mistura do contentamento com a tristeza leva-nos a sublinhar os piores erros e a não dar valor aos projetos, apesar de tudo, positivos. Atingimos o clímax da autonomia política, onde tanto se produzia uma lei positiva, como se construía outra negativa. O princípio do mínimo vastamente violado; o esquecimento de que quanto mais nos afastarmos do centro, mais perto estamos da periferia, por referência à tontice de fazer do Estado um inimigo.
2020 até agora. Período de decadência, com o tema do Requiem de Salieri, uma musicalidade técnica pobre, mas ao mesmo tempo de musicalidade grandiosa, e num estilo de música que anuncia o fim. Ouvir sobretudo o 5.º andamento “Recordare. Confutatis. Lacrimosa”. A autonomia necessita de qualidade. Sente-se no fim. Chora para a libertarem da mediocridade.
À luz dos partidos políticos a gerigonça regional das eleições de 2020 dava esperança; mas à luz dos atores políticos tudo apontava para o fracasso. Eu pessoalmente acreditei que o sistema de governo regional, porque não presta e é inconstitucional, duraria a legislatura completa. Como ninguém sabia que o governo de António Costa ia cair em 2023 (por estar envolvido em questões criminais, algo parecidas, mas bem distantes, como as de José Sócrates) a coligação PSD-CDS-PPM não conseguiu segurar os acordos de incidência parlamentar. Foi um mau governo porque governava para agradar. Mas, mais grave: o peso parlamentar do CDS e PPM eram insignificantes perante o PSD, mas eram demasiadamente influentes e sobretudo tóxicos a este; além disso, a presidência desse governo não soube monitorizar politicamente estes partidos.
Entretanto… neste preciso momento, já em fevereiro, – nos Açores foi eleito o XIV Governo Regional que é composto, numa minoria parlamentar, pela coligação eleitoral do PSD-CDS-PPM. A soma das partes é negativa.

Arnaldo Ourique

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