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Raúl Brandão: o pintor das Ilhas

“Celebrar o centenário da visita aos Açores de RB, precisamente na época estival, é uma feliz coincidência. “Aqui só há uma estação admirável – junho, julho e agosto. Nos outros meses os montes estão quase sempre envoltos nos seus capelos de névoa.”( idem p.140)”

  1. Eles cirandam de rua em rua, observam, fotografam; entram aqui, descansam ali, comentam, confrontam diferenças do ser e do viver.
    São turistas, nacionais e estrangeiros, num vai-vem crescente por localidades e sítios onde o sossego e a paz identificam a vivência das nossas gentes.
    Aqui, a natureza e a beleza coabitam até nas profundezas da terra e propagam-se pela imensidão do oceano.
    A paisagem bela e multifacetada das nossas ilhas tem um valor inestimável, único para os que por aqui vivem e não é facilmente compreensível para quem nos visita.
    Visitar deve ser muito mais do que observar pessoas, paisagens, entender sotaques e o ser ilhéu. Só entrando na alma das gentes se compreende o porquê da fala, da arquitetura, da economia, da gastronomia, da cultura, da música, da literatura, da religiosidade…da índole de quem reside em cada uma das nove ilhas.
  2. Foi o que fizeram os intelectuais do continente que aqui estiveram há cem anos.
    Raúl Brandão (RB), em 1924, do seu longo périplo pelo arquipélago, legou-nos o livro “As Ilhas Desconhecidas” 1, “feito com notas de viagens, quase sem retoques” – acrescenta.
    “Um livro de pintor” escrevia Nemésio em carta enviada a Brandão, “após ter lido as primeiras 12 folhas da impressão das Ilhas Desconhecidas”.2
    Celebrar o centenário da visita aos Açores de RB, precisamente na época estival, é uma feliz coincidência. “Aqui só há uma estação admirável – junho, julho e agosto. Nos outros meses os montes estão quase sempre envoltos nos seus capelos de névoa.”( idem p.140)
    No capítulo sobre “As Sete Cidades e as Furnas” RB acrescenta:
    “A verdadeira Primavera, aqui, é o Outono, em que cada árvore parece uma flor gigantesca e as Furnas tomam cores de outro mundo quimérico (…) Estes Outonos são diferentes – são apoteoses, são deslumbramentos (ibidem p.156).
    O objetivo de Brandão e dos outros intelectuais portugueses convidados por José Bruno Carreiro a visitar nesse ano os Açores, era dar a conhecer as ilhas adjacentes na sua dimensão geográfica, natural, etnográfica, e humana para que o governo central e os cidadãos continentais tomassem conhecimento da riqueza cultural e da diversidade paisagística destas “ilhas desconhecidas”.
    Existem muitas descrições dignas do melhor e mais apelativo prospeto turísticos. Esta devia figurar numa lápide, assinalando a passagem do escritor simbolista pelos Açores:
    “O Pico é a mais bela, a mais extraordinária ilha dos Açores, duma beleza que só a ela lhe pertence, duma cor admirável e com um estranho poder de atração. É mais que uma ilha – é uma estátua erguida até ao céu e amoldada pelo fogo – é outro Adamastor como o do cabo das Tormentas”(Brandão,1988 p.102).
    Nenhum publicitário diria melhor.
    Não me canso de ler, frequentemente, descrições/quadros de RB, sobre as várias ilhas. São de um fino pormenor estético, literário e etnográfico. Parece que os anos não passaram e que o autor compreendeu no estreito contato com os locais, as mentalidades, as falas, os interesses e os modos de vida em terra e no mar.:
    “Apetece fazer do barco uma habitação, correr os portos e as angras, viver em contacto permanente com esta vida inesgotável e fecunda. Procurar um chanfro para lançar a âncora, ir a terra só para a aguada. E nunca mais! Nunca mais parar! Viver! Viver ao ar livre, deitar ferro ao abrigo duma rocha…” (Brandão,1986 p.149)
  3. Ilhas do sossego e do silêncio, prenhes de mil cinzentos e verdes.
    Os açorianos prezam esta forma de ser e de estar. Quando aumenta o bulício, como agora acontece, não se sentem confortáveis. Foi o que sucedeu há dias com a população das Furnas.
    O exponencial aumento da carga turística e o consequente acréscimo do movimento de centenas de veículos pelas estradas de São Miguel afetam a qualidade do ar, a sustentabilidade ambiental e o próprio custo de vida.
    Compatibilizar a abertura do arquipélago a gentes de outras culturas, dando-nos a conhecer ao mundo, é um fator muito positivo que temos de valorizar e dar a conhecer. No entanto, relevar apenas o crescimento da atividade económica é muito pouco, sobretudo quando as remunerações dos profissionais do ramo são muito baixas, os ganhos do empresariado não correspondem à qualidade do serviço prestado e é visível a falta de formação de patrões e empregados.
    O crescimento do número de visitantes e o aumento das receitas e proventos não é, por si só, um bom indicador. Há outros parâmetros a ter em conta que uma parcelar e enviesada visão economicista não contempla.
    Os Açores são um destino muito sensível. Preservar as suas vertentes ambiental e humana, a identidade e a qualidade de vida das nossas gentes deve ser uma preocupação de todos os responsáveis pelo setor turístico.
    1 BRANDÃO, Raul, As Ilhas Desconhecidas, Editorial Comunicação, 1987
    2 PIRES, António M.Machado, Prefácio

José Gabriel Ávila*

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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