“O facto de o Governo estar também dependente do controlo político do Presidente da República que não tem funções de política estratégica, torna a fiscalização governativa melhor transparente no sentido em que, do conjunto das informações em choque umas com as outras, torna o discurso político mais informativo porque mais esclarecedor e credível.”
As sondagens sobre os governos não traduzem necessariamente o resultado de medidas governativas concretas. Pelo contrário, traduzem um sentimento de esperança naquele momento da população e cuja origem está mais, não nas medidas governativas concretas, mas sobretudo no tratamento adequado da imagem de esperança que o governo empresta aos seus destinatários, ora consciente, ora por naturalidade das personagens envolvidas. Pode acontecer que um governo até esteja com dificuldades, mas tenha uma imagem positiva perante a sociedade. Umas vezes, é o Primeiro-Ministro que com o seu tipo de discurso de honestidade política imprime essa segurança nos cidadãos, como é o caso atual de Luís Montenegro; outras vezes é o conjunto do governo, como foi o caso de Pedro Passos Coelho com a Troika em 2015 (tanto que ganhou as eleições depois desse processo). Em termos políticos, o que conta são dois elementos. O 1.º, é a fiscalização política da governabilidade: que não é apenas feita pela Assembleia da República; mas também pelo Presidente da República que impõe ao Primeiro-Ministro explicações credíveis. O 2.º, são os níveis, os padrões de esperança que os cidadãos recebem do governo ou a transmissão de ações ou ideias do governo que o recetor as transforma nesse ideário de esperança que sustenta a democracia. Neste ponto em concreto, os cidadãos embora vejam claramente as dificuldades do governo, também recebem mensagens dele que coincidem com as dificuldades; isto é, verifica-se um respirar de transparência que promove um sentimento de esperança (António Costa nos seus oito anos de governação teve momentos destes). Estes dois elementos, nas suas constituintes, são estruturais: se apenas existisse fiscalização política parlamentar – a informação era fraca porque os partidos políticos têm interesses estratégicos e isso provoca confusão nas informações. O facto de o Governo estar também dependente do controlo político do Presidente da República que não tem funções de política estratégica, torna a fiscalização governativa melhor transparente no sentido em que, do conjunto das informações em choque umas com as outras, torna o discurso político mais informativo porque mais esclarecedor e credível.
Na Região Autónoma estes elementos não são coincidentes com o modelo nacional. Desde logo, porque a única fiscalização política governativa é feita apenas pela Assembleia Legislativa. Resultado: nunca sobressai daqui nenhum discurso político verdadeiramente informativo, porque está enfermado em informações meramente discursivas sem nenhum controlo efetivo de monotorização da verdade ou, pelo menos, de verdade minimamente objetiva. Assim, o Governo Regional possui toda a liberdade em governar como entender porque subsiste controlo político exclusivamente nas aprovações parlamentares dos orçamentos regionais. E isso, portanto, torna a democracia uma farsa porque o jogo estratégico dos partidos na Assembleia Regional não possui nenhum mecanismo de monotorização objetiva da democracia. Isso acaba por inquinar o 2.º elemento, o que se refere aos padrões de esperança: como o cidadão não retira nenhum elemento válido do sistema informativo, vai acostumar-se, e assim está já há muito viciado, ao engodo do que existe: e o que existe é um discurso sucessivamente repetido de tagarelice por via de que, como se antedisse, os partidos políticos têm interesses estratégicos. Isso, do ponto de vista da manutenção no poder pelo mesmo partido de poder, torna a vida mais fácil ao governo porque é só pela não aprovação de leis que o governo pode cair ou provocar eleições antecipadas; mas, igualmente, torna a vida mais difícil ao governo para criar esse discurso que transmita segurança ou, melhor ainda, esperança também. Ora, é por todo este pobre modelo político que o Governo Regional, por um lado, não transmite esperança às populações, e, pior, nem o seu Presidente, como o faz muito bem feito o Primeiro-Ministro.
Exemplos de discursos ilustrativos que provocam esperança, mas que o governo não as verbaliza e exemplos de frases do governo, sobre os mesmos assuntos, que mostram tagarelice, incompetência e má governabilidade: dizem “temos de impor ao Governo da República a nossa vontade para resolver este assunto” quando deveriam dizer “estamos a trabalhar com o Governo da República para resolver este assunto”; dizem “essas verbas são pagas pelo Estado, mas o Governo Central continua sem as pagar” em vez de “essas verbas são pagas pelo Estado, mas enquanto não chegam, já alocamos financiamento para acautelar as primeiras necessidades”; diz-se “temos o direito de gerir o nosso mar que é nosso através da gestão partilhada, mas o Estado nunca conversa connosco para que que a autonomia seja respeitada”, quando deveria dizer-se “o Estado ofereceu aos açorianos a oportunidade de gerirmos em conjunto elementos da gestão do mar, no entanto, ainda não conseguimos estabelecer um acordo conjunto de ação, mas já entregamos um memorando de entendimento com os pontos essenciais”; dizem “o Estado, nesta matéria, tem a sua perspetiva que, como sabemos, é centralista, e é aliás por causa dessa centralidade que o os açorianos sentam as dificuldades provocadas pelo Governo Central”, mas a correta seria “o Estado, nesta matéria, mantém a sua perspetiva estadual, e temos de a respeitar porque respeitamos as atribuições das entidades políticas, mas estamos, por via disso mesmo, mais vincados ao esforço de compreensão de quão importante é esta matéria para os açorianos”; dizem “o Tribunal Constitucional já nos habituou ao seu centralismo” em vez de “o Tribunal Constitucional já nos habituou a um certo centralismo, mas como órgão de soberania aceitamos as suas decisões que são jurídicas e não políticas”.
Conclusão: o sistema regional de governabilidade é mais exigente para as perceções da esperança na sociedade porque uma fiscalização meramente parlamentar, sem que o sistema de governo seja efetivamente parlamentar (mas apenas “aparente parlamentar” ou “aparente semipresidencialismo regional”), é muito pouco. No entanto, quando os titulares dos cargos políticos têm inteira consciência disso e têm dimensão cognitiva dessa consciência, podem tornar-se um exemplo de excelência política (Beethoven escreveu o Hino da Alegria quando estava totalmente surdo). Carlos César teve-a; mas nunca conseguiu convencer porque tinha a consciência, mas não tinha a dimensão cognitiva; dito doutro modo: a informação não era inteiramente leal: existia um certo sentimento de esperança, mas era bastante incompleto, sobrevivendo mais sob os auspícios do fraco sistema de governo do que pela ideia de esperança. José Bolieiro não tem verbo; o Presidente da Câmara da Ribeira Grande talvez não tivesse verbo, mas parecia ter uma simplicidade promotora de esperança. O PSD-A queimou-o, assim como queimou outros. E hoje é um exemplo de terra queimada. Nemésio tinha razão.
Arnaldo Ourique