A nível da organização hospitalar o retrocesso foi ainda maior. As administrações passaram a ser totalmente escolhidas pela Tutela da Saúde, sem se prestar cuidado, nas nomeações, à qualidade representativa dos membros dos sectores profissionais que as integram (recorde-se que até a uma determinada altura o(a) Diretor(a) Clinico(a) e o (a) Diretor(a) de Enfermagem eram eleitos pelos seus pares, pelo menos, na classe médica). Os Conselhos Gerais e Técnicos foram relegados a um papel meramente decorativo, as Comissões Médicas totalmente desmobilizadas pelo alheamento e desmotivação para a participação entretanto instalados entre as velhas e novas gerações de profissionais. Deslaçaram-se as ligações intergeracionais e intersectoriais em favor de um controlo vertical, impessoal e muito pouco transparente na assunção das dificuldades e insuficiências.
Para não falar da própria desmotivação das Administrações passados os “100 dias de estado de graça”, obrigadas a gerir com os maiores constrangimentos e imposições de toda a natureza, mas aceitando essas condições sabe-se lá por que razões.
No HDES criaram-se uma infinidade de “Comissões técnicas” de abordagem de microproblemas (com a sua importância, claro) compostas por números generosos de elementos, viradas muito para dentro da instituição, motivadas em grande parte a cumprir regimentalmente os critérios obrigatórios da renovação dos processos e procedimentos da Acreditação e Qualidade. Manter a boa aparência na fotografia tornou-se o desígnio que a todos ia deixando felizes.
Outros aspetos maiores, claramente relacionados com a eficiência e qualidade da prestação dos cuidados foram-se paulatina e progressivamente agravando, como as Listas de Espera para exames, consultas e cirurgias, as Altas atempadas, os reinternamentos evitáveis, a colocação de casos a necessitarem de Cuidados Continuados e Paliativos, o descontrolo da livre acessibilidade ao Serviço de Urgência. Outros não foram sequer desenvolvidos, mesmo que ultra necessários e pertinentes, como o desenvolvimento e aperfeiçoamento de mecanismos de interação com os CSP da ilha, e das outras ilhas na assistência a doentes deslocados, da informatização e agendamento digital dos processos de marcação de consultas pedidas pelos CSP, da marcação interna de exames e consultas (tudo isto precisando ainda da intervenção e deslocação física dos pacientes na entrega dos documentos), da codificação sistemática das patologias que recorrem às Consultas de Especialidade, etc, etc.
Com a exceção do HSE da Terceira, que eu saiba, nenhuma forma organizativa departamental foi adotada nos restantes hospitais, com particular relevância no HDES. Os Centros de Responsabilidade Integrada (CRI), contemplados no Estatuto, com vários exemplos (cada vez em maior número) de implementação em hospitais do continente, nunca viram na Região a luz do dia, sabendo-se que são a forma teórica e comprovadamente mais correta de dar importância e responsabilidade às chefias intermédias – Diretores de Serviço e de Departamentos – que vêm ao longo de anos perdendo relevância e vendo esvaziada a autonomia decisória sobre as equipas sob seu comando. Os CRIs são estruturas fundamentais na reorganização dos serviços de ação clínica, logo, com decisivo impacto na produtividade e na qualidade de prestação dos cuidados, na motivação, captação, fixação e gratificação dos profissionais mais empenhados, na investigação clínica, na formação de Internos de Especialidade, etc. Tem o enorme potencial de atrair recursos humanos e tecnológicos, sendo o caminho mais racional para a dedicação plena e para uma significativa melhoria remuneratória dos profissionais, contribuindo para a diminuição ao recurso irracional e financeiramente muito dispendioso do trabalho das empresas externas de prestação de serviços.
Há toda uma enormidade de trabalho a realizar ao longo dos próximos anos que deve ser levado a cabo, preferencialmente, com profissionais com formação dedicada à gestão – esta a dever ser fortemente estimulada e financiada pelas instituições – assente em sistemas de informação digital, ágeis e transparentes, em estudos de avaliação, processos de monitorização e auditoria de resultados, num ambiente de autonomia, de grande confiança e coresponsabilização, numa visão de médio e longo prazo, ambiente que não se compadece com a intervenção pública, permanente e centralizadora das Tutelas da Saúde (e, na retaguarda, das Finanças), interferindo em opções estratégicas, estrangulando financeiramente as Unidades e comprometendo o desenvolvimento do trabalho planeado.
Continua
Guilherme Figueiredo*
*Ex-Diretor de Serviço de Reumatologia do HDES;
Dir. Executivo da CAL-Clínica