- A observação de cetáceos continua a ser uma atividade económica de grande importância na oferta turística açoriana. Tendo em conta o crescente número de visitantes que a procuram, presumo que proporciona compensadores proventos aos empresários do setor.
As Lajes do Pico, o maior centro da caça à baleia dos Açores até à sua proibição, em 1987, mantém presente esse historial no Museu dos Baleeiros, o mais visitado do arquipélago. Essas memórias mantém-se ainda presentes no imaginário dos mais idosos – contam-se já pelos dedos os baleeiros vivos -, e persistem na identidade, sobretudo das gentes do sul do Pico.
A obra literária de Dias de Melo, cujo centenário ocorre em 2025 e a recolha beneditina de estórias e relatos relacionados com a caça à baleia e outras estórias da atividade marítima por ele efetuada constituem um espólio relevante que não pode ficar imobilizado nas estantes das bibliotecas.
Outras investigações se lhe seguiram sob perspetivas diversas de uma atividade multi-facetada que gerou uma série de outras, desde a construção naval à indústria e comercialização do óleo. Esta última, rodeada de secretismo e de muitas interrogações, gerou muita controvérsia aquando do pagamento das soldadas aos baleeiros que duvidavam do verdadeiro valor da venda do óleo.
Na base das reclamações a vida arriscada e sacrificada dos baleeiros em busca do ganha pão, a incerteza nas arriadas da caça à baleia e, sobretudo, o sustento das famílias que avolumavam as contas nas mercearias à espera de receber as soldadas.
Mesmo assim, muitos baleeiros tiveram de emigrar para ultrapassar a miséria em que viviam, embora nunca esquecendo a vida difícil que tiveram.
A atividade baleeira envolveu muitos picoenses no mar e em terra.
Em todas as freguesias e localidades do concelho lajense houve baleeiros: Ribeirinha, Piedade, Calheta de Nesquim (onde foi fundada a primeira armação baleeira pelo Capitão Anselmo), em Santa Cruz das Ribeiras, nas Lajes e em São João.
O Comandante Lizuarte Machado lançou recentemente o livro A Piedade e a Baleação. Trata-se de “um inestimável contributo para a História marítima da sua Freguesia” pois “ajuda a preservar e salvar do esquecimento um património identitário do Arquipélago dos Açores, onde a baleação foi durante décadas uma fonte de recursos e ganha-pão, a par com a atividade agrícola”, escreve Noélia Machado, no Prefácio.
O trabalho de Lizuarte Machado, desde muito pequeno e por influência familiar com forte ligação ao mar, quer pelo seu currículo académico, quer pela sua atividade profissional, “resultou de uma minuciosa, criteriosa e bem documentada investigação” escrita e fotográfica.
Os baleeiros da Piedade que arriaram na Manhenha, são apenas 15, mas muitos outros de localidades do concelho lá exerceram a sua atividade, em canoas e lanchas das Lajes, da Calheta de Nesquim e das Ribeiras.
Na História da baleação são figuras notáveis pela sua coragem, intrepidez e tenacidade ao enfrentarem os cachalotes em mares ruins e ventos fortes e adversos, sob chuva ou sol impiedoso, de dia e de noite alimentados a roscas e água, quantas vezes rebocando as baleias em botes a remos para as fábricas do Pico ou do Faial.
“A Piedade e a Baleação” do Comandante Lizuarte Machado é um pequeno mas precioso livro o qual, pela informação disponível, merece integrar a bibliografia da História Picoense e Açoriana. - As mudanças sociais e económicas ocorridas no último século ou, como agora se diz, na era pós-industrial, trouxeram novos paradigmas. À medida que a evolução e as novas tecnologias se vão impondo, procedimentos e equipamentos antigos são postos de lado, por se tornarem inadequados e obsoletos.
A construção e afirmação da nossa identidade impõe que esses procedimentos da história das populações seja preservados em todas as suas vertentes: económica, social, religiosa e cultural. Não numa perspetiva revivalista e conservadora, mas numa ótica progressiva, para que os mais novos possam entender a evolução da sociedade.
Neste sentido, as entidades educativas e culturais, nomeadamente as universidades, devem desenvolver todos os esforços para salvaguardar o “saber de experiências feito” de tantos homens e mulheres ligados à agricultura, à fabricação do queijo caseiro, à pecuária, à vitivinicultura, à produção de bebidas tradicionais, à culinária, à pesca e a outras atividades económicas em vias de desaparecer.
Como? Fazendo a recolha do maior número de testemunhos orais, de documentação fotográfica e escrita, acervo para ser tratado e acautelado por instituições e organismos educativos e culturais.
Esse trabalho deve caber em primeira instância à Escola e num grau mais elaborado, à Universidade, através de trabalhos académicos de investigação, que contariam com apoios públicos, nomeadamente das autarquias, entidades a quem cabe também zelar pela cultura das populações. Neste capítulo há tanto a fazer.
Não basta apenas criar museus ou casas etnográficas para preservar utensílios e outros documentos. É preciso juntar-lhes informação envolvendo uma série de “porquês” e de “comos” que ajudam as gerações mais novas a entender o passado coletivo.
Entrámos, rapidamente, no fim de um ciclo. Com ele desaparece também uma geração de protagonistas que construiram a antiga sociedade em que se firmou a presente. Por isso, todo o património coletivo merece ser salvaguardado, quanto antes.
José Gabriel Ávila*
*Jornalista c.p.239 A
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