despidas de protecção e afecto – as crianças –
que a guerra deixou desamparadas e a dormir ao relento
orfãos de pai e mãe – orfãos da incúria e do desdém
dos soberanos homens que governam
e os relegaram para a fome para o frio para a morte
para um futuro sem haver princípio rumo a um desnorte
pois que lhes ficaram com as mãos e as entalaram entre pedregulhos
e lhes amarraram os pulsos e a voz foi sufocada
para não gritarem a sua dor para não conseguirem protestar
e os olhos lhes vendaram para não verem o mal que lhes rouba a infância
mal fadadas desde o berço – as crianças indefesas –
serão párias na sua pátria
e correrão através dos becos enlameados
com o sol a brilhar num charco
que lhes dará a beber água da sua mágoa
e será esse o sonho que terão e lhes reservará o futuro
por entre sinais de fumo e o desmoronar das paredes
da casa que lhes havia de abrigar e proteger da adversidade
e mesmo nas ruínas procuram – essas crianças –
o sinal da cama a panela que foi ao lume o perfume do pão
e a memória daqueles que lhes haviam amado
Victor de Lima Meireles