É infantil não perceber que a direita também pode ser democrática. Que a democracia também poder ser de direita.
Antonio Barreto
As eleições nos Estados Unidos não foram umas eleições quaisquer. Seja por se tratar da, ainda maior, potência económica do planeta seja por terem estado em confronto duas apostas políticas, quase diametralmente opostas. Foram eleições de paixões e extremos e, muito pouco, de reflexão construtiva.
Já muito se tem escrito sobre elas, mas nunca será demais abordar um tema que já começa a ter uma escala europeia e mesmo mundial. As eleições americanas foram, e muito, um balão de ensaio para as forças populistas que alastram, um pouco por todo o lado. Tendo mesmo contribuído, ainda mais, para o culto da personalidade.
Não foi, por acaso, que o partido republicano se transformou num movimento de culto de Donald Trump. Percebendo que ele era o “profeta” que lhe poderia abrir as portas do “nirvana” do poder. E assim foi: pesem todos os seus aspectos caricaturais, soezes, ignorantes e, sumamente, desrespeitosos. Com os resultados, sobejamente conhecidos.
Trump percebeu, inteiramente, o sentir de uma grande fatia do eleitorado que, de forma transversal, se sentia sem voz e que a política se continuava a afastar perigosamente dele: numa espiral de demagogia, ganância e corrupção. Uma grande fatia que foi negligenciada pelos partidos convencionais.
Trump não tinha, no bolso, soluções nem precisava. Bastava ter um bom marketing e ser o porta-voz das “conversas de café”, num registo popularucho e burlesco. Vendendo ilusões de como resolver problemas altamente complexos como são emigração e a economia. Um exímio comunicador, sem pudor nem limites.
O partido democrata tentou colar os cacos provocados pela desistência “in extremis” de Joe Biden, endossando a Kamala Harris uma missão, praticamente impossível. Sendo que, apesar de tudo isso, ela conseguiu, em 100 dias, um resultado minimamente digno. Batendo, contudo, em teclas que, obviamente, não convenceram a maioria dos eleitores.
Fugindo às análises meramente políticas e/ou ideológicas, importa, agora, pensar fora da caixa e deixar, para trás, os grandes jargões que tanto poluem as nossas mentes e corações. Deixando as polémicas dos woke (acordados) e dos populistas ou do descontentamento económico (ideologias não pagam rendas) e as questões graves da emigração. E, sobretudo, abandonando o obsessão de encontrar culpas em todos, menos em nós próprios.
No fundo, bem vistas as coisas, poderemos de falar de um jardim que foi inteiramente negligenciado e que, por falta de cuidados atentos, se vai transformando numa verdadeira selva. Selva em que todos são culpados. Ninguém pode esperar um veredicto benevolente, sejam cuidadores de flores ou sejam estimulantes de infestantes. E o mesmo é dizer que somos todos culpados/coveiros ou, como diz o povo, é tanto ladrão o que rouba como o que fica à porta.
Não estamos, portanto, perante uma história de polícias e ladrões. Estamos perante sociedades que não foram capazes de assegurar justiça e equidade e que foram perdendo, de forma dramática, a intervenção cívica e o sentido de comunidade e cooperação que são, precisamente, as ferramentas que levaram a humanidade a patamares tão elevados de desenvolvimento.
Se não arrepiarmos caminho, continuaremos na senda da destruição e da aniquilação do mundo como o conhecemos. Não trilhando apenas a via racional, mas trilhando, também, a via dos sentimentos. Os sentimentos protegem a nossa vida, fazem-nos saber dos perigos e das oportunidades e dão-nos incentivos para agir em conformidade.
Terminando com Aldous Huxley: A sobrevivência da democracia depende da capacidade de um grande número de pessoas de fazer escolhas realistas à luz de uma informação adequada. E conseguindo, digo eu, um equilíbrio pleno entre razão e emoção.
António Simas Santos