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Saúde (do) Pública(o) (1)

O tema da semana: As Seguradoras destroem a relação médico-doente…?

A Dra Helen Ouyang, médica, professora na Universidade de Columbia, e escritora-colaboradora da “The New York Times Magazine”, escreveu na semana passada um artigo a propósito do assassinato de Brian Thompson, o Chefe-executivo da United Healthcare, a maior Seguradora de Seguros de Saúde dos Estados Unidos da América.
A Dra Ouyang começou o artigo relatando um caso seu, em que tratou um doente na urgência, que “estava imóvel, com os olhos fechados, (…) pálido e suado, com a camisa manchada de vómito. (…) a sua frequência cardíaca estava perigosamente lenta. Eu disse-lhe que ele ficaria internado no hospital, nessa noite.”
Depois de uma pausa, o doente acenou à Dra Ouyang, com um ar preocupado. A Dra Ouyang pensava que ele iria perguntar se ele ficaria bem, ou se precisaria de cirurgia, mas, ao invés disso, ele perguntou: “o meu seguro de saúde cobre a minha estadia no Hospital?”
Esta é uma pergunta que os médicos nos EUA não sabem responder, com certeza. Nos EUA, o seguro de saúde é extraordinariamente complicado, com diferentes seguradoras a oferecerem planos de saúde diferentes, cobrindo certas coisas e negando outras (isto apesar do que dizem inicialmente sobre a sua cobertura – nada muito diferente de cá, dirão alguns leitores).
Claro que a Dra Ouyang não disse isso ao doente, no entanto, como ela precisava que ele ficasse no hospital, e aceitasse o tratamento hospitalar, ela disse: “Você está muito doente… Você não se preocupe com o seu seguro, neste momento.”
Em países como Portugal, a Dra Ouyang seria capaz de dar uma resposta melhor. “Não se preocupe com esse assunto. Todos os custos são encargo do Serviço Nacional de Saúde (SNS)”.
Esta é a resposta que todos os médicos do mundo querem dar.
Mas, será que os contribuintes portugueses conseguem SUPORTAR esta resposta, sem a introdução de alterações no financiamento, e regulação, do SNS?
O assassinato de Brian Thompson, o Chefe-Executivo da United Healthcare, reacendeu o “desprezo” das pessoas pelas Seguradoras. Ainda não se sabe se a trágica morte do Sr. Thompson está relacionada com cuidados de saúde, mas a reacção popular é importante, porque expõe a raiva de muitos americanos quanto aos cuidados de saúde.
Entre as principais queixas dos americanos está a grande incógnita, que é saber se um tratamento recomendado por um médico será coberto pelo Seguro de Saúde. Para o médico é fundamental criar confiança com os doentes, dando respostas claras. Mas, na actualidade, as conversas sobre cuidados de saúde nos EUA mostram-nos que as incógnitas sobre coberturas de Seguros de Saúde não comprometem apenas o tratamento que é possível dar aos doentes – também prejudicam a frágil confiança na relação médico-doente. Esta é uma dinâmica insustentável.
Continua a Dra Ouyang, “sem surpresa, o meu paciente ficou preocupado. Ao invés de descansar na maca, ele e a sua esposa começaram a ligar para a Seguradora. Para impedir que ele se fosse embora, tentei ser mais persuasiva, mesmo sem saber que plano de saúde ele tinha: Tenho a certeza de que o seu seguro vai pagar. Vou documentar cuidadosamente o quão medicamente necessário é este internamento.”
A Dra Ouyang disse o que podia para que o doente ficasse no Hospital, mas percebe-se porque é que o paciente queria ter certezas: o custo médio de um internamento hospitalar de 3 dias é de US$ 30 000, cerca de 28 500 euros.
Uma das primeiras lições da Dra Ouyang como jovem médica num hospital, que servia uma comunidade da classe trabalhadora, foi em seguros. Ela via os colegas a prescreverem “medicamentos abaixo do ideal”, e pensava que eles não estavam a praticar “medicina baseada em evidências”. Na realidade, eles estavam a fazer algo melhor: praticavam medicina baseada no paciente. Quando as pessoas diziam que não podiam pagar um medicamento, porque o seu seguro não o cobria, os colegas da Dra Ouyang prescreviam uma alternativa, mesmo que não fosse a melhor opção disponível.
Como jovem médica, ela lutava contra isso. “Estudos mostram que este medicamento é o tratamento mais eficaz”, dizia ela, “é claro que a seguradora cobrirá!”
Os colegas mais experientes chamaram-na à atenção para o facto de que se ela praticasse essa medicina, os seus doentes não “aviariam” as suas receitas. E eles estavam certos.
Quando os médicos não conseguem dar uma resposta adequada, os doentes perdem a confiança neles. Quando as seguradoras rejeitam os pedidos de reembolso, geralmente culpam o provedor — o código estava errado, o diagnóstico não era suficientemente específico — o que pode corroer ainda mais a relação médico-doente. Algo semelhante à prática – desprezível – de alguns médicos falarem mal de outros médicos, para conseguirem vantagens de “mercado”, que algumas pessoas nos confidenciam.
A Dra Ouyang viu tudo isso acontecer, com a sua própria mãe. A sua mãe tomou a vacina anual contra a gripe, parte dos cuidados preventivos para a sua idade, mas o seu seguro disse que não estava coberta, porque o seu médico usou o código errado. A clínica reenviou o pedido, mas continuou a ser negado. Sempre que a sua mãe ligava para a seguradora, um agente culpava o médico. A sua mãe relutantemente voltou ao seu médico, para o seu exame anual, mas o seu relacionamento com os cuidados primários desgastou-se. Ela nunca mais tomou as suas vacinas lá, diz a Dra Ouyang.
No final, o doente da história da Dra Ouyang decidiu ir para casa, naquele dia. Ela reiterou o quão doente ele estava. Mostrou-lhe os resultados que a preocupavam, e até tentou dizer que ele poderia morrer se saísse do hospital. Mas, quando ele conseguiu falar com um agente da Seguradora, foi informado que a cobertura dependeria das especificidades dos seus cuidados. E, essa incerteza no pagamento levou a que o paciente não aceitasse o tratamento.
Realidades que não temos por cá.
Mas, cobrir esta incerteza custa muito dinheiro. Muito. Cada vez mais, de ano para ano.
Este crescimento de despesa não é acompanhado por idêntico crescimento na produção de riqueza, neste pobre país periférico.
O que nos conduz ao início: ou apostamos fortemente em tudo o que possa ser feito para adiar e atrasar as doenças, ou um dia tudo isto colapsa. E adiar, e atrasar, as doenças passa por apostar fortemente na Saúde Pública, na Medicina Preventiva, nos Cuidados de Saúde Primários. Na Promoção e Protecção da Saúde, o mais precocemente possível. Por cada 1 euro investido nestas áreas, dezenas de euros não entram na despesa, cujo pagamento é cada vez mais difícil.

A homenagem da semana: Dr. José Barbeito.

Na semana passada faleceu um incansável servidor da Causa Pública, um médico dedicado e um Homem bom: o Presidente do Conselho da Administração da Unidade de Saúde da Ilha Terceira, o Dr José Barbeito.
O Dr. José Orlando da Rocha Barbeito era natural da Praia da Vitória, e licenciou-se em Medicina na Faculdade de Ciências Médicas, em Lisboa, em 1987.
Fez toda a sua carreira na sua ilha-natal, atingindo o topo da mesma em 2015.
Ensinou futuros enfermeiros, formou médicos de família.
Entre 1996 e 2005 foi Presidente do Conselho de Administração do Centro de Saúde de Angra do Heroísmo, e desde 2021 era Presidente do Conselho de Administração da Unidade de Saúde da Ilha Terceira.
Quando partem, cedo demais, Homens como o Dr Barbeito, todos ficamos mais pobres.
À família enlutada endereço as minhas sentidas condolências.
A todos os leitores, desejo um Santo e Feliz Natal. Que o Nascimento do Deus-menino nos inspire a todos, para 2025.

Mário Freitas*

  • Médico, Coordenador Regional da Saúde Pública dos Açores
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