“Não só a COVID-19 ainda é uma ameaça global à saúde, como temos assistido ao surgimento – ou expansão geográfica – da gripe aviária, mpox, cólera, dengue, febre Oropouche, doença do vírus de Marburgo e outras doenças infecciosas. As mudanças climáticas, e as crescentes interacções entre animais e humanos, aumentam o risco de doenças novas ou reemergentes.”
O tema da semana: não vamos fingir que as Pandemias não existem
Maria D. Van Kerkhove, Directora da Organização Mundial da Saúde (OMS), que lidera o “Departamento de Gestão de Ameaças de Epidemias e Pandemias”, escreveu-o na Science, há 2 semanas.
Há pouco mais de 5 anos, na véspera do Novo Ano de 2020, a OMS tomou conhecimento dos primeiros casos de pneumonia de etiologia desconhecida, em Wuhan, China. Uma enorme tempestade global formava-se, tempestade que paralisaria o mundo, com profundos impactos económicos, sociais e políticos. É compreensível que todos queiram esquecer a pandemia COVID-19, mas essa amnésia colectiva impedirá a Humanidade de estar pronta para a próxima pandemia. Como recorda a Dra. Maria D. Van Kerkhove, o mundo fez o mesmo na década de 1920, após a devastação provocada pela pandemia de gripe de 1918. Repetir este comportamento levará a que se desperdicem oportunidades, nomeadamente ao não incorporarmos as melhores práticas para ameaças actuais e futuras.
A partir de 1 Janeiro de 2020 a OMS tomou medidas para reforçar a vigilância, implementou estratégias e orientações baseadas em evidências para prevenir a disseminação, melhorou a comunicação e forneceu testes de diagnóstico, vacinas e medicamentos.
No pico da Pandemia (Janeiro de 2021), os países notificaram 100.000 mortes por COVID-19, por semana.
O número de casos notificados atingiu os 23,5 milhões por semana no início de 2022, quando a variante Omicron surgiu.
Desde 2020, pelo menos 7 milhões de pessoas morreram, embora as estimativas reais de mortalidade devam ser pelo menos três vezes maiores. Actualmente, a OMS tem conhecimento de pelo menos 4.000 mortes por mês, sendo as taxas actuais de vacinação extremamente baixas…
O impacto total da pandemia ainda não foi devidamente quantificado, analisado e compreendido. Análise que urge, e tarda, tanto nos Açores como a nível nacional. E tal não é para atribuir culpas…
É imperativo que todos se comprometam com os princípios de transparência e partilhem informações durante futuros surtos para que todos os países possam tomar medidas concretas para prevenir, preparar e mitigar futuras epidemias e pandemias, recorda a Dra Maria D. Van Kerkhove.
Não só a COVID-19 ainda é uma ameaça global à saúde, como temos assistido ao surgimento – ou expansão geográfica – da gripe aviária, mpox, cólera, dengue, febre Oropouche, doença do vírus de Marburgo e outras doenças infecciosas. As mudanças climáticas, e as crescentes interacções entre animais e humanos, aumentam o risco de doenças novas ou reemergentes.
O legado da COVID-19 não deve ser definido apenas por dor, perda e confinamentos. Ao invés disso, essa experiência está cheia de lições, que o mundo não deve desperdiçar. A próxima pandemia — que não é uma questão de “se”, mas de “quando” — não vai esperar.
A homenagem da semana: As II Jornadas de Saúde Pública da USISM
Porque a Saúde Pública está a construir o seu Futuro, deixo aqui a minha intervenção na sessão de encerramento das II Jornadas de Saúde Pública da USISM, nos dias 23 e 24 de Janeiro de 2025, no NONAGON.
“Segundo John M. Last, “a Saúde Pública (SP) é o esforço organizado pela sociedade para proteger, promover e restaurar a saúde das pessoas. (…) As atividades de saúde pública mudam com a mudança de tecnologia e valores sociais, mas os seus objetivos permanecem os mesmos:
- reduzir a quantidade de doença,
- morte prematura e
- desconforto e deficiência, causados pela doença na população.”
Deixai que vos recorde 5 ideias centrais, que nunca podemos esquecer:
- a SP é uma maratona, não é uma corrida de velocidade. Cansarmo-nos muito cedo, não nos vai ajudar. Temos de tomar chá (e aqui somos privilegiados, por vivermos numa região da Europa onde se produz chá – e do bom) e serenarmos, para conseguirmos completar o percurso. Temos que nos manter sempre firmes.
- Não estamos sozinhos. Nenhum de vós está sozinho. A SP não trabalha isoladamente. Existem adversários poderosos (não nossos, de cada um de nós, mas dos nossos fins) que agem estrategicamente, quer gostemos, quer não. Há-os no mundo académico, nas nossas classes profissionais (sejam os meteorologistas pela verdade, os surfistas pela verdade ou os paranormalistas pela verdade), na indústria alimentar, na farmacêutica e até em prestadores de saúde… mas, a comunidade, a população, está connosco. A última Pandemia demonstrou-o, nos seus diferentes momentos. Na forma como se “aplanaram” as curvas, como se protegeram os mais frágeis, ao aderir ao uso dos EPI, na forma como decorreu a adesão à vacinação.
- A SP tem “alma” local. Uma forte liderança nacional e Autonómica é necessária, crucial, para nos ajudar a conduzir o navio, ao vermos o panorama geral do que está a acontecer, mas grande parte do trabalho de base da SP funciona sem orientações diárias “de cima”. Estas equipas são âncoras vitais nas nossas comunidades. Isto ficou demonstrado nestes dois dias.
- A Ciência tem sempre razão. Ignorar-nos tem consequências — as doenças reemergentes, os hospitais sobrecarregados e as necessidades da população não satisfeitas. A realidade (o único sítio onde comemos um bom bife, segundo Woody Allen) apanha-nos sempre… a importância da SP é inegável.
- Há que actuar de forma estratégica. A atenção da comunidade e o capital político são tão difíceis de conseguir quanto os recursos financeiros. Desvalorizemos o ruído, e aquelas intervenções que estão tão dissociadas da Realidade como os terraplanistas estão da NASA.
“O Bem é aquilo que suscita, protege e promove a vida (…) o Bem vencerá o mundo, mesmo que o mal faça mais barulho.” Disse Sua Santidade, o Papa, Bento XVI.
Os que vos sentis mais próximos de Star Wars, podereis substituir “Bem” pela “Força”. Nós, em SP, travamos, diariamente, as batalhas mais belas de todas, porque estamos do lado do Bem, estamos do lado da Força. Todos os dias temos mais para fazer, com a certeza de que venceremos cada batalha, se persistirmos.
Muitos parabéns à USISM, na pessoa da sua PCA, Enfa Sandra Silva, e à USP, na pessoa da sua coordenadora Dra Larisa Shogenova, por estes 2 dias. Que grandes jornadas! Bem-hajam!”
Mário Freitas*
Médico, Coordenador Regional da Saúde Pública dos Açores