Donald Trump tomou posse como Presidente dos Estados Unidos, no dia em que escrevo este postal. Pela primeira vez, na história deste país, tomou posse um cidadão com cadastro criminal, após ter sido condenado por 34 crimes de falsificação de registos financeiros.
Também, pela primeira vez, tomou posse um cidadão que, enquanto candidato, ultrapassou todos os limites da urbanidade e de falta de respeito pelos seus adversários e pelas respectivas opções políticas. Não se coibindo de utilizar os insultos pessoais mais soezes ou de manifestar o mais profundo desprezo pelas perspectivas políticas dos seus oponentes ou mesmo pelas instituições mais respeitáveis do seu país.
Numa campanha caracterizada por discursos improvisados de retórica vulgar, piadas racistas, comentários misóginos e alegações de fraudes eleitorais imaginarias. E, sobretudo, defendendo, despudoradamente, uma supremacia americana total, ao arrepio de qualquer solidariedade com o resto do mundo, num misto de nacionalismo bacoco e narcisismo patológico.
O seu discurso inaugural “foi ridículo e com muitas contradições”. Não resistindo ao mais elementar escrutínio sobre a sua veracidade e sendo, mais uma vez, tudo acerca dele e da sua grandeza. “A idade do ouro da América começa agora”, afirmou perante uma assistência dos maiores multimilionários americanos, sem que ninguém tenha soltado uma gostosa gargalhada. Não esquecendo o beijo “WIFI” a uma primeira-dama com um chapéu OVNI, enfiado até às orelhas.
Shakespeare, com o seu enorme talento, teria transformado esta opereta bufa em mais uma genial peça. Mas, infelizmente, falamos de uma nação que tem, ao longo da sua história, se tem afirmado como um farol de liberdade. E que agora soçobra, perante um fanatismo populista, ignorante e charlatão.
Perante um presidente que, logo no primeiro dia de investidura, decretou a saída do Acordo de Paris, da OMS (Organização Mundial da Saúde), o regresso à exploração em força do fuel, início de um surpreendente processo da anulação da aquisição da cidadania americana por nascimento (ao arrepio da mais profunda tradição da nação) e o indulto, em massa, de todos os condenados pela invasão do Capitólio.
Mas, a verdade nua e crua, é que foi eleito democraticamente (como, aliás, Hitler) para o bem e para o mal de todos nós, dado o peso e a importância, a nível mundial, dos Estados Unidos. Não desrespeitando a liberdade e a democracia, temos legitimidade para ter os mais fundados receios sobre o que se vai passar nos próximos quatro anos. Se, apenas como candidato, Trump disse o que disse e fez o que fez, tudo será de esperar, agora, que tem o poder quase absoluto sobre, a ainda, maior potência mundial.
A democracia tem estas disfunções que resultam do seu aproveitamento por quem despreza a liberdade, mas que a utiliza para chegar ao poder e para, depois, tudo fazer para a pôr em causa. É da sabedoria popular que o voto de um tolo vale tanto como o voto de um discreto e é, por isso mesmo, que a desinformação e o fanatismo fazem o seu caminho.
Resta-nos esperar que a pujança cívica, cultural, científica e os pergaminhos de liberdade dos Estados Unidos consigam suster uma deriva populista e autocrática que não augura nada de bom para quem ama bens essenciais, como a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Dentro de 2 anos terão lugar eleições intermédias para a Câmara dos Representantes e do Senado, que bem poderão ser a autocritica de um resultado eleitoral tão distópico.
A América e o mundo precisam, desesperadamente, disso.
António Simas Santos