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Trump quer acabar com cidadania por nascimento nos EUA

Donald Trump regressou dia 20 de janeiro de 2025 à Casa Branca para um segundo mandato de quatro anos como 47º presidente dos Estados Unidos.
A cerimónia teve lugar no interior do Capitólio devido às baixas temperaturas que se faziam sentir em Washington, DC e, embora os rituais e as formalidades dessem uma ideia de continuidade, o discurso e as ordens executivas assinadas pelo novo presidente deixaram claro que a nova administração republicana pretende levar a cabo uma radical mudança política.
No seu discurso de posse, Trump retratou-se como “pacificador” e alguém que procura “unificar”.
No entanto, no mesmo discurso, lançou duras críticas ao governo democrata que o antecedeu.
Após um discurso em que pendurou em si próprio a medalha de mérito pelo cessar-fogo no Médio Oriente e repetiu algumas das suas mentiras habituais, Trump sentou-se a uma mesinha onde estava uma pilha de pastas e começou a assinar decretos.
O primeiro decreto foi a revogação de 78 ordens executivas assinadas pelo seu antecessor, o democrata Joe Biden, algumas das quais referentes à imigração como a ordem que restringia a fiscalização de imigração em escolas, instalações de saúde, igrejas e outros locais que prestam assistência a imigrantes.
Depois assinou a saída dos Estados Unidos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e a retirada do acordo da OCDE e do Acordo de Paris sobre emissões climáticas, passos na nova política nacionalista e isolacionista dos Estados Unidos, e aprovou mais uns decretos relacionados com a imigração, um deles estabelecendo situação de emergência nacional na fronteira com o México para impedir a entrada ilegal de estrangeiros com o auxílio das Forças Armadas.
Além disso, suspendeu por 90 dias o Programa de Admissão de Refugiados dos Estados Unidos a partir de 27 de janeiro, podendo ser prorrogado por mais 90 dias, confirmando que a imigração é uma das prioridades da administração Trump.
“O presidente Trump tomará medidas ousadas para proteger a nossa fronteira e as comunidades americanas”, afirmou o comunicado da Casa Branca. “Isto inclui acabar com as políticas de captura e libertação de Biden, restabelecer a política de Permanecer no México, construir o muro, acabar com o asilo para aqueles que atravessam a fronteira ilegalmente, reprimir os santuários criminosos e melhorar a investigação”.
Donald Trump tem qualquer problema com os imigrantes, embora seja filho de uma imigrante escocesa, neto de um imigrante alemão, tenha sido casado com uma imigrante da Checoslováquia e esteja presentemente casado com uma imigrante da Eslovénia.
Durante a campanha eleitoral, Trump usou e abusou de inflamatória retórica visando denegrir a imagem dos imigrantes dos Estados Unidos e procurou convencer o eleitorado de que o aumento da violência no país se deve aos imigrantes repetindo o termo “migrant crime” (crime de imigrante) nos seus comícios e a estratégia funcionou, uma vez que foi eleito. Prometeu deter e deportar 12 milhões de imigrantes indocumentados que vivem no país e que ele afirma serem criminosos, e as operações de captura e deportação começaram dia 21 de janeiro lideradas por Tom Homan, ex-chefe do Serviço de Imigração e Controlo de Fronteiras (ICE), conhecido como o “Czar das Fronteiras”. Deportar 12 milhões de pessoas é um objetivo demorado, além
de representar um enorme risco para a economia e o tecido social dos Estados Unidos. O estado de New York, onde residem 4,5 milhões de estrangeiros, tem 670.000 imigrantes sem documentos e estima-se que 51.200 trabalhem no setor dos cuidados pessoais, 20.900 como empregadas domésticas, 16.800 como auxiliares de saúde domiciliária, 7.000 como cuidadores de crianças e 6.500 auxiliares de cuidados pessoais.
Há ainda 42.300 ilegais trabalhando em restaurantes, 7.000 como chefs, 17.000 como cozinheiros, 9.100 como preparadores de alimentos e 9.200 como empregados de mesa. Outros 48.500 trabalhadores indocumentados trabalham na construção, 29.500 são operários, 12.800 são carpinteiros e 6.200 são pintores.
Acrescente-se que mais de metade de todos os trabalhadores agrícolas nos Estados Unidos são estrangeiros, e a grande maioria é indocumentada ou está inscrita num programa federal H-2A patrocinado pelos empregadores. Portanto, a verdade é que os imigrantes não estariam nos Estados Unidos se não fossem necessários
. A mão de obra imigrante, regra geral mal paga, faz falta à economia dos Estados Unidos. Sempre foi assim. Segundo o estudo World Migration Report 2020, da OIM (Organização Internacional para as Migrações), os Estados Unidos são o país com mais imigrantes (50,7 milhões) e o discurso do presidente hostil para com os imigrantes em situação irregular no país acaba por atingir todos os imigrantes. Mas de todas as medidas que o presidente Trump agora tomou a mais controversa foi a ordem executiva para acabar com a cidadania por direito de nascença, legislação que altera a lei federal de imigração para restringir
o âmbito da cidadania, embora seja um direito consagrado na Constituição dos Estados Unidos. A questão começou antes da Guerra Civil com a infame decisão do Supremo Tribunal no caso Dred Scott v. Sandford em 1857, que negou a cidadania a pessoas de ascendência africana, mesmo que não tivessem sido escravos.
“Um negro livre da raça africana, cujos ancestrais foram trazidos para este país e vendidos como escravos, não é um ‘cidadão’ no sentido da Constituição dos Estados Unidos”, decidiu a sentença.
Após a guerra, a teoria de cidadania baseada na raça de Dred Scott foi derrubada pela primeira frase da 14ª Emenda, ratificada em 1868: “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãs dos Estados Unidos e do Estado em que residem”. O ponto principal era a raça: pessoas negras nascidas nos Estados Unidos têm os mesmos direitos que pessoas brancas.
Em 1898, o Supremo Tribunal decidiu também que a cidadania por direito de nascença se aplica aos filhos de imigrantes no caso de Wong Kim Ark vs Estados Unidos. Wong, 24 anos, era filho de imigrantes chineses indocumentados nascido nos Estados Unidos, mas teve a entrada negada no país quando retornou de uma visita à China. Wong argumentou com sucesso que, por ter nascido nos Estados Unidos, o estatuto de imigração dos seus pais não afetava a aplicação da 14ª Emenda.
Desde então, independentemente da raça ou do estatuto de imigração dos pais, todas as pessoas nascidas nos Estados Unidos passaram a ter todos os direitos que a cidadania oferece, com exceção das crianças nascidas de diplomatas estrangeiros.
“Todo o cidadão ou súbdito de outro país, enquanto domiciliado aqui, está sob a aliança e a proteção, e consequentemente sujeito à jurisdição dos Estados Unidos”, concluiu o Supremo Tribunal, acrescentando que considerar o contrário “seria negar a cidadania a milhares de pessoas de ascendência inglesa, escocesa, irlandesa, alemã ou de outra origem europeia que sempre foram consideradas e tratadas como cidadãs dos Estados Unidos”.
A única ambiguidade restante – mais uma vez sobre raça – era se alguns nativos americanos poderiam ter a sua cidadania negada devido ao facto de estarem sob jurisdição das suas próprias nações tribais e não dos Estados Unidos.
O Congresso fechou essa brecha em 1924, aprovando a Lei de Cidadania Indiana, que determinou que os estados concedam aos primeiros americanos os seus plenos direitos como cidadãos. Portanto, a questão é simples, quem nasce nos Estados Unidos é cidadão dos Estados Unidos mesmo que os seus pais sejam imigrantes ilegais e quer sejam brancos, negros ou asiáticos.
Mais de 30 países – incluindo Canadá, México, Malásia e Lesoto – praticam o “jus soli” automático, ou “direito do solo” sem restrições e garantem a cidadania por nascença, ou seja, todas as crianças nascidas no país são cidadãs independente do estatuto dos pais.
Outros países, como Reino Unido e Austrália, permitem uma versão modificada em que a cidadania só é concedida se um dos pais for cidadão ou residente permanente.
É também o caso de Portugal, onde filho de imigrante nascido no país tem direito à cidadania portuguesa, mas para isso é necessário que um dos pais esteja em Portugal de forma regular no momento do nascimento.
Nos Estados Unidos há oportunistas que tiram partido do “jus soli” com o chamado “turismo de nascimento”, atendendo grávidas interessadas em dar à luz nos Estados Unidos por forma a que os filhos sejam cidadãos americano. Ser Mamãe em Miami é um desses serviços destinado a orientar brasileiras na Flórida, com clínicas em Orlando e Boca Raton, e cujas tabelas variam de $16.400 para partos normais, a $23.300 para parto de gémeos.
O serviço inclui o atendimento médico e internamento para o parto, mas caso a ordem de Trump se concretize o negócio pode ruir.
A decisão de negar a cidadania aos filhos de imigrantes indocumentados é arbitrária e viola claramente a Constituição e precedentes do Supremo Tribunal, portanto as reações não tardaram. A medida de Trump, que passaria a vigorar em 30 dias, já foi suspensa temporariamente por John Coughenour, juiz federal em Seattle, que a considerou “flagrantemente inconstitucional”. “Estou no tribunal há mais de quatro décadas. Não me lembro de outro caso em que a questão apresentada fosse tão clara. Trata-se de uma ordem manifestamente inconstitucional”, declarou Coughenour, nomeado para o tribunal em 1981 pelo ex-presidente republicano Ronald Reagan. A ordem também já foi objeto de ações judiciais por parte de cinco grupos de direitos civis, alegadamente por ferir a Constituição e a jurisprudência do Supremo Tribunal do país, pelos seguintes Estados: Arizona, Illinois, Oregon, Colorado, Connecticut, Delaware, Hawaii, Maine, Maryland, Michigan, Minnesota, Nevada, New Mexico, New York, Carolina do Norte, Rhode Island, Vermont, Wisconsin e Massachusetts, além do Distrito de Columbia e da cidade de San Francisco. “Apesar dos amplos poderes do presidente para definir a política de imigração, a Ordem de Retirada de Cidadania está muito além dos limites legais da autoridade do presidente”, escreveu a procuradora-geral de Massachusetts, Andrea Joy Campbell.
Segundo Campbell, citada pela Reuters, se for mantida a ordem de Trump negaria a mais de 150.000 crianças nascidas anualmente nos Estados Unidos o direito à cidadania e “o presidente Trump não tem autoridade para retirar direitos constitucionais”.
É possível que toda esta questão acabe no Supremo Tribunal, onde até pode haver surpresas uma vez que Trump nomeou um terço do Supremo consolidando uma maioria conservadora de 6-3. Mas se isso acontecer vai ser uma dor de cabeça para muitos imigrantes nos Estados Unidos.
De acordo com a Pew Research, existem cerca de 5,5 milhões de crianças nos Estados Unidos nascidas de pelo menos um dos pais ser imigrante indocumentado e 1,8 milhões de crianças nascidas com os dois pais indocumentados. Se a medida de Trump vier a ser aprovada vai ser uma dor de cabeça para um bom número de americanos que correm o risco de ficar apátridas.

Por Eurico Mendes, nos EUA*

*Exclusivo Portuguese Times/Diário dos Açores

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