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Ó suma vilania! Sem pontas soltas, trocar as voltas à garantia…

“Expirada a garantia de um veículo usado, adquirido em Fevereiro de 2022, sobreveio um problema na caixa de velocidades. Mandei-o à marca para reparação. Cinco meses depois, vi-me a braços com a mesma pane. Nova reparação, nova factura, esta de 478€ + IVA.
Disseram-me que por cada uma das reparações há uma garantia de seis meses. Se assim for, fui levado porque a avaria ainda estava na garantia.
Pergunto: há mesmo uma garantia de seis meses nestes casos?”
Ante a factualidade revelada, cumpre emitir opinião:

  1. Há patente equívoco quando se alude a uma garantia por reparação de seis meses fora do normal procedimento da compra e venda de consumo.
  2. Na compra e venda de consumo, ao accionar-se a garantia, “em caso de reparação, o bem reparado beneficia de um prazo … adicional de seis meses por cada [uma das] reparaç[ões] até ao limite de quatro …, devendo o profissional, aquando da entrega do bem reparado, transmitir ao consumidor essa informação.” [DL 84/2021: n.º 4 do artigo 18].
  3. Os seis meses adicionais de garantia só se observam nas hipóteses de compra e venda em que ocorra reposição de conformidade mediante reparação do bem, novo, recondicionado ou usado.
  4. Não há, por conseguinte, qualquer garantia de seis meses por eventual reparação autónoma fora do quadro da garantia legal.
  5. O que há é uma garantia de três anos nas prestações de serviço, já que o regime da compra e venda de consumo se aplica também:
    “a) … aos contratos celebrados para o fornecimento de bens a fabricar ou a produzir;
    b) Aos bens fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens, com as necessárias adaptações” [DL 84/2021: als. a) e b) do n.º 1 do art.º 3.º].
  6. Ora, tratando-se de uma prestação de serviços, a garantia legal da compra e venda é aplicável a qualquer reparação (contanto se trate do ponto específico objecto de intervenção): “O profissional é responsável por qualquer [não] conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem” [DL 84/2021: al. a) do n.º 1 do art.º 12].
  7. A reparação inicial está coberta pela garantia, razão por que intervenção subsequente não é susceptível de pagamento: a reparação é-o «a título gratuito»,livre dos custos necessários incorridos para repor os bens em conformidade, nomeadamente o custo de … transporte, mão-de-obra ou materiais” [DL 84/2021: al. a) do art.º 2.º].
  8. Nem sequer o preço pode ser expresso, nas relações jurídicas de consumo, em (478 € + IVA), já que preço “é o preço total em que se incluem todos os impostos, taxas e encargos que [nele se repercutam]”, constituindo contra-ordenação grave uma tal formulação [DL138/90: n.º 6 do art.º 1.º; n.º 1 do art.º 11; DL 9/2021: al. b) do art.º 18].
  9. Constitui crime de especulação o exigir-se preço indevido pela reparação: o crime de especulação é passível de pena de prisão de seis meses a três anos e multa não inferior a 100 dias [DL 28/84: art.º 35].
  10. Daí que deva exigir da oficina da marca, para além do cumprimento da garantia legal, a devolução do montante indevidamente pago, denunciando à ASAE, órgão de polícia criminal, tais factos para a instrução dos autos.
    EM CONCLUSÃO
    a. As prestações de serviço – no âmbito das relações jurídicas de consumo – seguem o regime da compra e venda [DL 84/2021: al. b) do art.º 3.º].
    b. As prestações de serviço de consumo gozam, por conseguinte, da garantia legal de 3 anos [DL 84/2021: al. a) do n.º 1 do art.º 12].
    c. A subsequente reparação está abrangida pela garantia legal, que é gratuita, não sendo devido, pois, qualquer preço [DL 84/2021: al. a) do art.º 2.º]
    d. A cobrança de eventual valor configura crime de especulação cuja moldura éa de prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias [DL 28/84: art.º 35]
    e. Ainda que fosse devido um preço, a indicação de valor a que acresça o IVA padece de um ilícito de mera ordenação social grave, passível de coima, de acordo com o Regime das Contra-Ordenações em Matéria Económica [DL 138/90: n.º 6 do art.º 1.º, n.º 1 do art.º 11; DL 9/2021: al. b) do art.º 18].
    Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
  11. Mário Frota *
  • Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal
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