Muitos acreditavam que o futuro seria uma coisa do outro mundo. Acreditavam que bastaria estar sentado no sofá e carregar nos botões da consola para que tudo acontecesse à nossa frente. Acreditavam que não precisaríamos de falar muito alto, que quase comunicaríamos em silêncio, pois uma máquina ouviria o nosso pensamento e executaria a ordem que o nosso cérebro mandasse, e aquele tomaria a forma etérea de uma poeira luminosa.
Uma verdadeira revolução tecnológica, nascida da nossa incessante eficiência e ambição, tomaria o lugar dos conceitos materiais e sociais da velha civilização e prepararia o homem e a mulher para o “homo novus”. Uma nova civilização, explícita e transparente, universal e pacífica, afinal aquela por que muitos sonhavam, extinguiu-se para já do horizonte.
Um mundo cínico, de verdades ocultas, em que manda quem fala mais alto e tem mais poder, não está preparado para preparar o futuro, desculpem a redundância. E o que parecia simples e estar ao alcance da mão, tornou-se um verdadeiro pesadelo universal.
Por outro lado, continuamos agarrados às velhas tradições que mantém as pessoas unidas. Importamos novidades desconhecidas, inspiradas nas Américas: Black Friday, Halloween, Valentine’s Day, entre outras datas mais fúteis.
Alguns, para suprir as faltas deste e do outro mundo, oferecem chocolates e flores, uma carta ou outra com palavras ocas, perpetuando um ritual coletivo que lhes ensinaram nos talkshows domingueiros, com locutores esganiçados e vibrantes e pobres bailarinas seminuas agitando as ancas e esbracejando a velha ordem.
Enfim, há quem diga que o som da voz está desaparecendo da memória coletiva. E isto é aceitável. Vivemos num mundo tão ensurdecedor, que alguns anseiam pelo silêncio. Mas de igual forma, no silêncio distante do futuro, haverá quem anseie pelo caos lírico do presente.
Luís Soares Almeida*
- Professor de Português
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