Entrados numa crise1 política e na campanha eleitoral, volta a falar-se de questões prementes entre as quais a imigração.
Entre nós o tema coloca-se pela existência nos EUA de uma comunidade emigrante indocumentada, cuja dimensão e contornos não é fácil precisar. Alguns açorianos partiram, ultrapassaram os prazos estabelecidos e estabeleceram-se com suas famílias, pensando regularizar, com facilidade a sua situação. Como tal não sucedeu, estão receosos de que a administração americana os obrigue a regressar. Antecipando-se a isso, algumas famílias já estão a regressar, fui há dias informado em Vila Franca do Campo.
Ao longo da História da Emigração Açoriana sempre houve retorno de emigrantes, fosse do Brasil, dos Estados Unidos ou do Canadá. Da Bermuda o regresso efetuava-se no termo do contrato de trabalho de dois anos.
Num estudo datado de 2011, elaborado a pedido do Governo Regional, sobre Emigração e Regresso2 concluiu-se que:
“1) A intenção de regressar aos Açores fez parte do projecto migratório de 65% dos inquiridos, enquanto a de permanecer, definitivamente, no país de destino abrangeu outros 24%. Os restantes 12% partiram indecisos quanto a qualquer destas hipóteses;
2) O desejo inicial de regresso encontrava-se mais vincado nos homens do que nas mulheres; mais entre aqueles que, na altura, eram casados (…) e fazia-se notar, em particular, naqueles que trabalhavam na agro-pecuária; 3) Aproximadamente metade dos inquiridos declarou ter regressado por causa das “saudades” que sentiam em relação aos Açores ou para ficarem mais próximos de familiares. Os problemas de saúde, o entendimento de que se alcançou um nível suficiente de poupanças e a inadaptação ao país de destino, constituem outros motivos relevantes dentro do quadro explicativo para o regresso de uma grande parte dos restantes;”
Convém recordar que “durante a década de 60 registou-se uma saída média anual de 7256 emigrantes, enquanto no decénio seguinte, o valor médio do ano ascendeu a 7556 emigrantes. (Ribeiro de Medeiros e Madeira, 2003)” 3.
Mais recentemente e já sobre a problemática do retorno, Henriques e Esteves acrescentam que “dificilmente se poderá continuar a considerar o quadro dos movimentos migratórios dos (…) Açores (…) até à actualidade, sem considerar a componente do regresso.”, estimando-se que cerca de metade das pessoas que, um dia, partiram (…)tenham voltado entre 1980 e 1995.”
Os regressados permaneceram nos países de acolhimento, em média quinze anos. 60% eram já reformados ou pensionistas.
A Professora Doutora Gilberta Rocha, uma das maiores autoridades nesta matéria e com vasta bibliografia, juntamente com Derrik Mendes, efectuaram um estudo sobre “População Deportada e Integração social nos Açores”, no período compreendido entre 1987 e 2012. As conclusões desse estudo devem merecer análise na presente conjuntura dada a semelhança com situações individuais, familiares e sociais que podem vir a repetir-se.
O Inverno demográfico nos Açores
O retorno de emigrantes não resolve, de forma alguma, o declínio populacional ocorrido nos anos 60 e 70 do século passado.
Na Graciosa, por exemplo, em 1950, existiam 9517 habitantes. “Porém, durante as três décadas seguintes, entre 950 e 1981, assistiu-se a uma quebra abruta no volume de residentes (-43,5%), com maior intensidade nos anos (19)70.” 4
Outras ilhas registaram também uma assinalável diminuição, nomeadamente Flores, São Jorge e Pico.
Significa isto que a diminuição da população é uma questão grave e urgente.
A fixação das populações mais idosas à terra natal não se resolve apenas construindo mais lares de terceira idade, como está a acontecer. Implica Serviços de Saúde que respondam com eficiência, qualidade e transmitam maior segurança aos jovens e às famílias das ilhas mais “despovoadas.
Em paralelo, há que implementar programas para atrair e fixar os imigrantes e suas famílias, sem os quais não haverá crescimento económico.
Um estudo divulgado em setembro passado pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto concluiu que Portugal necessitava de 138 mil imigrantes por ano para que o pais crescesse 3%.
Nos Açores, é voz comum falar-se da falta de mão-de-obra para a construção civil e para a agricultura e o problema torna-se aflitivo nas ilhas mais envelhecidas. Algumas empresas recorrem, pontualmente, a trabalhadores imigrantes. Mas deveriam existir incentivos à fixação desses indivíduos e de suas famílias. Só assim se rejuvenesceria o tecido social e humano das ilhas mais “pequenas”.
Com o desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação existem jovens nacionais e estrangeiros que trocam as grandes cidades pelo remanso das ilhas.
Apostar nos “nómadas digitais” para quem as ilhas são sítios onde a tranquilidade e as belezas naturais se casam com a pureza ambiental terá, certamente, sucesso.
Estes são temas de resolução urgente que têm de entrar na agenda dos governantes regionais e locais, envolvendo também os parceiros sociais e a própria Academia. Como vem acontecendo com a atividade turística.
Há muito que o problema anda na boca do cidadão comum e dos pequenos empresários, mas tem-se fechado os ouvidos a este clamor, talvez por não saber como resolvê-lo. Conhecer os dados do problema, refletir sobre as melhores soluções e agir, é o que se pede para que não continuemos na cauda do país.
Sem demoras, porque ontem já era tarde.
1 A palavra crise tem origem no vocábulo latino crísis que significa “momento de decisão, de mudança súbita” e no grego krísis para designar o momento na evolução de uma doença em que ela se define entre o agravamento – e a morte – ou a cura – e a vida. É na crise que surge a invenção, a descoberta, a reflexão e as grandes estratégias do “marketing” do amor. (https://portal.uab.pt/o-que-e-a-crise/)
2 ROCHA, Gilberta (Coord.), FERREIRA, Eduardo, MENDES, Derrick, “Entre Dois Mundos. Emigração e Regresso aos Açores.”Governo dos Açores, 2011
3 HENRIQUES, EduardoB.,ESTEVES,Alina, “As ilhas como pontos focais no espaço das migrações”
https://www.academia.edu/122618976/As_ilhas_como_pontos_focais_no_espa%C3%A7o_das_migra%C3%A7%C3%B5es_pr%C3%A1ticas_transnacionais_na_emigra%C3%A7%C3%A3o_a%C3%A7oriana?nav_from=8cc72628-2d10-48ca-928b-7d314e3c8ebb
4 ESPÍNOLA,P, A Evolução da Populção da Graciosa entre 1864 e 2021. Leitura através dos Recenseamentos Gerais da População, in ATAS do VIII Colóquio “O Faial e a Periferia Açoriana nos séculos XV a XX, 2024.
José Gabriel Ávila*
*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com