Crescer na década de 1970 e atravessar a juventude nos anos 1980 significava viver num tempo de grandes promessas. Para quem, como eu, passou a infância sob a sombra de um mundo ainda a curar as feridas da Segunda Guerra Mundial, a chegada de líderes como Helmut Kohl, François Mitterrand, Margaret Thatcher, Ronald Reagan e Felipe González representava um horizonte de estabilidade, crescimento e, acima de tudo, um caminho claro para um futuro melhor. Nos Açores, testemunhei avanços que simbolizavam a integração do nosso pequeno arquipélago num mundo moderno: a chegada da televisão a cores, a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia (CEE) e a consolidação da democracia após o PREC faziam parte de uma narrativa de progresso e de confiança no Ocidente como bastião da paz e da prosperidade.
A Guerra Fria terminou com a queda do Muro de Berlim em 1989, um dos momentos mais marcantes da transição do século XX para o XXI. O colapso da União Soviética e a vitória dos valores ocidentais pareciam selar definitivamente o triunfo de um mundo onde a liberdade e a economia de mercado garantiriam estabilidade duradoura, enquanto o Tratado de Maastricht, em 1992, prometia consolidar uma Europa unida e próspera, e a globalização criava uma rede de interdependência económica sem precedentes. Mas o final do século XX trouxe algo mais do que apenas mudanças políticas: foi um tempo de transformação tecnológica e social sem paralelo. O aparecimento do computador pessoal (PC) e da internet revolucionou a forma como trabalhamos, comunicamos e consumimos informação, tornando o mundo mais pequeno, mais imediato e aparentemente mais acessível a todos. A globalização, impulsionada pelo avanço tecnológico e pelo comércio livre, prometia um futuro em que qualquer pessoa poderia ter acesso ao conhecimento, aos mercados e às oportunidades, e onde a economia cresceria sustentadamente, criando emprego e melhorando o nível de vida das populações.
A criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995 consolidou essa visão, garantindo regras claras para o comércio internacional, enquanto a União Europeia, através do Tratado de Schengen, aboliu as fronteiras internas, permitindo a livre circulação de pessoas e mercadorias entre os países do continente. Nunca o Ocidente esteve tão interligado e nunca houve um sentimento tão forte de que o mundo avançava na direção certa. Era a promessa de uma era dourada: um planeta conectado pela tecnologia, sem guerras entre grandes potências, com economias em crescimento e sociedades abertas, capazes de integrar sem conflitos os avanços sociais e políticos do final do século.
No entanto, com a viragem do milénio, essa visão começou a desmoronar, os atentados de 11 de setembro de 2001 foram um choque brutal para o Ocidente, revelando que a paz e a segurança que considerávamos garantidas estavam longe de ser invulneráveis. A resposta dos Estados Unidos e dos seus aliados, com a Guerra do Iraque e a ocupação do Afeganistão, marcou o início de um ciclo de instabilidade global, cujos efeitos ainda hoje sentimos. A crise financeira de 2008 destruiu a ilusão de um crescimento económico contínuo e sem sobressaltos, deixando cicatrizes profundas nas economias ocidentais, gerando desconfiança nas elites políticas e económicas e criando um ressentimento social que acabaria por alimentar populismos tanto à direita como à esquerda.
A União Europeia, outrora um projeto de integração e solidariedade, viu-se abalada pelo Brexit, pela crise da dívida soberana e pelo crescimento de forças eurocépticas que começaram a questionar as vantagens da interdependência europeia, enquanto a ascensão da China como superpotência desafiava a hegemonia ocidental e a Rússia de Vladimir Putin demonstrava que o expansionismo e a política de força estavam longe de ser coisa do passado.
Ao mesmo tempo, a tecnologia, que nos fora apresentada como um instrumento de democratização e progresso, começou a tornar-se uma ferramenta de manipulação e controlo. A internet, que deveria ser um espaço livre e democrático de informação, tornou-se um campo de batalha para a desinformação, as redes sociais passaram a desempenhar um papel central na polarização da sociedade, destruindo o debate racional e alimentando narrativas extremistas, e as grandes empresas tecnológicas assumiram um poder que antes estava reservado apenas aos Estados. O sonho de um mundo interligado, onde a informação circulava sem restrições e onde o conhecimento era acessível a todos, deu lugar a um ambiente digital dominado por algoritmos que moldam a opinião pública e criam realidades paralelas, onde a verdade se tornou relativa e a confiança nas instituições foi profundamente abalada.
Hoje, a guerra na Ucrânia, os conflitos no Médio Oriente e a ameaça latente de novas tensões geopolíticas mostram-nos que a promessa de um mundo pacífico e próspero está seriamente comprometida. A erosão da confiança nas instituições democráticas, o regresso da polarização política, o crescimento da desigualdade económica e a ameaça das mudanças climáticas acrescentam camadas de incerteza a um tempo já marcado pela instabilidade. O mundo globalizado que nos foi prometido trouxe, sem dúvida, progresso e desenvolvimento, mas também revelou fragilidades e criou vulnerabilidades que não prevíamos, deixando-nos expostos a crises sanitárias, financeiras e políticas que rapidamente se propagam e afetam a vida de milhões.
Olhando para trás, vemos que os líderes de outrora, com todos os seus defeitos, tinham uma visão de futuro. Kohl e Mitterrand acreditavam numa Europa forte e unida, Reagan e Thatcher projetavam a força do Ocidente e a sua superioridade económica e militar, González e outros líderes democráticos da Europa do Sul como Ramalho Eanes, Mário Soares, Sá Carneiro e Cavaco Silva, mostraram que era possível sair das trevas das ditaduras para construir sociedades mais justas, desenvolvidas e abertas ao mundo. Hoje, parece-nos faltar essa liderança inspiradora, essa capacidade de tomar decisões estratégicas de longo prazo, esse sentido de missão que caracterizou a segunda metade do século XX.
É necessário recuperar essa capacidade de sonhar e acreditar num futuro melhor, mas com um realismo que nos permita enfrentar os desafios de um mundo mais fragmentado e incerto. O futuro exige uma nova geração de líderes que nos devolvam a capacidade de sonhar com um futuro melhor que o presente.
Jorge Alves Jorge