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Até que ponto a exploração espacial coloca em perigo a aviação civil?

A explosão da nave SpaceX Starship SN8 ocorreu cerca de um mês após o sétimo teste (SN7), realizado em Janeiro de 2025, que também terminou em desastre. Após a separação do foguetão de lançamento, apenas dois dos três propulsores não direccionáveis entraram em funcionamento, levando à perda de controlo da nave. Ainda não é claro porque é que esses dois motores Raptor não foram imediatamente desactivados. Talvez a Inteligência Artificial não seja, afinal, “tão inteligente”.
Uma análise pós-evento levanta questões sobre a estratégia de controlo adoptada durante a falha crítica da Starship. Uma abordagem alternativa, a considerar em futuros voos, seria a desactivação imediata dos motores remanescentes ao detectar-se a falha de ignição de um motor crítico. Tal procedimento poderia, potencialmente, evitar o rodopiar descontrolado da nave, permitindo que o sistema de controlo de reacção (RCS) assumisse o controlo de atitude. A 146km de altitude o ar é tão rarefeito que os comandos aerodinâmicos são praticamente inúteis para controlar a aeronave, mesmo deslocando-se a mais de 20 mil km/h de velocidade. Embora esta estratégia pudesse resultar na perda dos objectivos da missão, proporcionaria uma maior probabilidade de preservar a integridade do veículo, facilitando a sua recuperação e fornecendo dados valiosos para análises posteriores. Este cenário sublinha a importância de priorizar a segurança e a preservação do equipamento em missões de teste, mesmo que isso implique comprometer objectivos imediatos.
O que é certo é que este incidente constitui mais um alerta para os riscos que as operações espaciais podem representar para a aviação civil. Embora, neste caso específico, os fragmentos tenham caído dentro da zona de testes previamente delimitada, a questão permanece: o que acontece quando um veículo espacial se desintegra em pleno voo ou quando um satélite regressa à Terra de forma descontrolada? A resposta reside na existência de protocolos como o DRA (Dangerous Reentry Assessment), um sistema concebido para avaliar e mitigar os riscos que os destroços espaciais podem representar para as aeronaves e para o tráfego aéreo global.

Como surgiu o DRA e porque foi introduzido?

O DRA não surgiu por acaso. Ao longo da história da exploração espacial, houve vários episódios que demonstraram a necessidade de criar um sistema para proteger o espaço aéreo de possíveis impactos de destroços em reentrada. Um dos casos mais marcantes foi a tragédia do Space Shuttle Columbia, em 2003. Durante a reentrada na atmosfera, o vaivém espacial desintegrou-se sobre os Estados Unidos, espalhando fragmentos sobre vários estados. Apesar de não ter havido impacto na aviação comercial na altura, o acidente revelou que a dispersão de detritos espaciais pode ser imprevisível e que era essencial melhorar os protocolos de segurança.
Outro exemplo relevante foi a reentrada descontrolada da estação espacial Skylab, em 1979. Os fragmentos desta enorme estrutura caíram sobre a Austrália Ocidental, sem causar vítimas, mas evidenciaram a necessidade de planear melhor a forma como os objectos espaciais regressam à Terra. Mais recentemente, a China tem sido alvo de críticas devido à reentrada não controlada dos foguetões Long March, que, em várias ocasiões, geraram campos de destroços com potencial para atingir áreas habitadas ou zonas de tráfego aéreo intenso.
Diante destes riscos, a comunidade internacional e os reguladores do espaço aéreo passaram a integrar o DRA nos seus protocolos. Este sistema permite prever onde os fragmentos espaciais poderão cair e determinar medidas para minimizar o risco para aviões comerciais. Quando uma reentrada ou uma explosão em altitude pode gerar destroços na atmosfera, o DRA avalia o risco em tempo real e recomenda a implementação de restrições temporárias no espaço aéreo.
Se o DRA indicar que existe a probabilidade de os detrictos atravessarem rotas aéreas, as autoridades emitem um TFR (Temporary Flight Restriction), ou seja, uma restrição temporária ao tráfego aéreo. Este procedimento impede que aviões sobrevoem a área de risco até que os destroços tenham caído em segurança. Quando um TFR é imposto, os aviões podem ser obrigados a desviarem-se para rotas alternativas, entrar em espera, (voando “holding patterns”), ou mesmo a terem que aterrar noutro aeroporto.
As companhias aéreas, ao serem forçadas a seguir estas novas instruções, enfrentam disrupções que originam custos acrescidos em combustível, taxas aeroportuárias, descontinuação dos voos para o destino final (tendo os pilotos, por vezes que prosseguir para aeroportos alternativos), com reacomodação de passageiros e tripulações, perdas de ligações, etc.

As companhias aéreas ou os passageiros, recebem compensação, por atrasos ou outros inconvenientes?

Apesar dos atrasos e dos custos adicionais que as transportadoras aéreas podem sofrer, não existe qualquer mecanismo formal que as compense por este tipo de perturbação no tráfego aéreo. A razão para isto reside no facto de que as restrições impostas pelo DRA e pelo TFR são consideradas uma questão de segurança pública e de força maior. Tal como acontece com tempestades, terramotos ou erupções vulcânicas, os regulamentos internacionais determinam que os impactos destes eventos não podem ser atribuídos a qualquer entidade em particular.
Além disso, as regras de compensação aos passageiros, como o regulamento EC 261/2004 da União Europeia, apenas obrigam as companhias aéreas a indemnizar os clientes quando os atrasos e cancelamentos resultam de falhas operacionais internas. Se um voo for afectado por uma restrição imposta por uma agência reguladora devido a riscos de destroços espaciais, a companhia aérea não é responsável e, por isso, não está obrigada a compensar os passageiros.
Por outro lado, as empresas espaciais, como a SpaceX, a Blue Origin ou a NASA, não são obrigadas a pagar compensações às companhias aéreas, pois os seus lançamentos e operações são autorizados pelos governos e fazem parte do desenvolvimento da exploração espacial. No entanto, há um debate crescente sobre a possibilidade de implementar taxas ou fundos de compensação para minimizar os impactos destas operações na aviação civil.

O futuro da aviação e da segurança no espaço aéreo

Com o crescimento do sector espacial, é provável que o número de reentradas não controladas e eventos de explosão em altitude aumente. Se há algumas décadas estes fenómenos eram raros, hoje há um número cada vez maior de satélites a serem lançados e de foguetões reutilizáveis a regressar à Terra, o que pode gerar novos desafios para a aviação civil.
A tecnologia tem vindo a evoluir para minimizar estes riscos. Novos sistemas de rastreamento orbital e de previsão meteorológica espacial permitem calcular com maior precisão a trajectória de fragmentos e reduzir as zonas de exclusão aérea ao mínimo necessário. Além disso, há um esforço para tornar as reentradas mais previsíveis e controladas, garantindo que os objectos espaciais são dirigidos para áreas seguras, como o “Point Nemo”, no Oceano Pacífico, onde não há tráfego aéreo nem populações.
Enquanto esses avanços não eliminam completamente os riscos, o DRA e o TFR continuam a ser ferramentas essenciais para garantir que o espaço aéreo se mantém seguro, permitindo que a aviação comercial e a exploração espacial coexistam sem grandes incidentes. Mas, à medida que o tráfego espacial aumenta, talvez se torne inevitável discutir se as companhias aéreas devem ser protegidas contra os impactos financeiros destes eventos, criando mecanismos de compensação que equilibrem os interesses de todos os envolvidos.

Victor Silva Fernandes *

  • Comandante Jubilado da TAP Air Portugal
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