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A crise constitucional nos Estados Unidos

A recente controvérsia em torno da deportação pelo governo de Trump de supostos membros de gangues venezuelanas desencadeou um debate significativo na América, entrelaçando complexas dimensões jurídicas e psicológicas.
Fora dos Estados Unidos, como aqui a julgar pelo ruído de fundo nas redes sociais, acredita-se que a Casa Branca optou por ignorar uma ordem judicial, desafiando a exigência constitucional de que o Poder Executivo deve aderir à superioridade do Congresso na elaboração da legislação, e os tribunais na interpretação das diretrizes constitucionais para garantir a igualdade universal e o Estado de direito não arbitrário. (À hora em que escrevo a 19 de Março, o executivo foi intimidado a comparecer no tribunal para explicar por que não cumpriu a injunção.) A compreensão destas facetas é crucial para se compreender as amplas implicações da crise em curso.
Autoridades constitucionais que se manifestam em público, incluindo juízes republicanos, na generalidade opinam que Donald Trump tem desafiado os tribunais para ver até quanto estão dispostos a conceder-lhe antes de intervirem no sentido de lhe proibir as políticas arbitrárias que o presidente demonstra em público e cuja implementação ordena através dos seus assessores. Descontente com as barreiras legais com que o poder judicial lhe impõe repetidas vezes, Trump tende a atacar a competência e a idoneidade dos juízes.
J. Michael Luttig, um juiz federal aposentado, nomeado pelo presidente George H.W. Bush, tem sido cirúrgico e franco, metódico, sobre suas preocupações em relação às ações de Donald Trump e o seu impacto na democracia americana. Recentemente, durante um programa televisivo, ele descreveu a abordagem de Trump como uma «guerra ao Estado de direito» e alertou para a potencial crise constitucional que poderia surgir de tais ações. Luttig critica, consistentemente, os esforços de Trump para minar as instituições democráticas, incluindo tentativas de usar o poder executivo com o objetivo de atingir adversários políticos.
As observações de Luttig refletem uma intensa preocupação sobre a erosão das normas democráticas e do Estado de Direito nos Estados Unidos. A sua perspetiva tem credibilidade da da a reputação e influência de longa data como um pensador jurídico conservador, sobretudo porque também reforça a atitude geral dos juízes que se pronunciam perante as lentes da TV e em deliberações em casos anteriores. Considerado uma das maiores autoridades constitucionais, Laurence Tribe, catedrático aposentado da Universidade de Harvard, quando instado a manifestar-se tem sido também um crítico vocal de Donald Trump, particularmente no que diz respeito ao que ele entende como tendências autoritárias e desrespeito pelas normas constitucionais. Nestas críticas que faz frequentemente ao presidente, Laurence Tribe destaca a tensão entre princípios constitucionais e ações políticas. As suas perceções sobre o direito constitucional são consideradas por muitos peritos nítidas e profundamente enraizadas em décadas de erudição.
Central para esta questão é a invocação pelo governo do Alien Enemies Act de 1798, um estatuto que concede ao presidente autoridade para deter ou deportar não-cidadãos de nações hostis em tempo de guerra. Em termos históricos, este ato tem sido raramente usado, principalmente durante períodos de guerra declarada. Há entre peritos em jurisprudência a opinião consistente que a aplicação daquela lei no contexto atual, visando alegados membros de gangues sem uma declaração formal de guerra contra a Venezuela, levanta questões jurídicas substanciais.
O papel do Judiciário tornou-se proeminente quando o juiz distrital James Boasberg emitiu a referida ordem de restrição temporária interrompendo as deportações, citando potenciais violações constitucionais. Todavia, a administração prosseguiu com as proscrições, argumentando que os voos tinham partido antes de a ordem lhe ter sido comunicada, colocando-os assim fora da jurisdição do tribunal.
Esta sequência dos acontecimentos conduziu a um confronto constitucional entre os poderes executivo e judicial. As ações do governo, na ótica de alguns constitucionalistas, constituem um desafio à autoridade judicial, levando John Roberts, presidente do Supremo Tribunal federal, a repreender Trump por ter pedido a impugnação do juiz Boasberg, destacando a independência e o papel essencial do Judiciário em vigor há mais de dois séculos.
A perceção do público sobre esta questão está profundamente dividida, refletindo atitudes sociais em relação à imigração, à segurança nacional e ao Estado de direito. Os defensores das expatriações muitas vezes vêem-nas como medidas necessárias a fim de proteger a segurança pública, influenciadas por apreensões referentes ao crime e ameaças à segurança nacional representadas por gangues como Tren de Aragua.
Por outro lado, os opositores argumentam que as ações do governo enfraquecem as normas legais e o devido processo legal, potencialmente erodindo a confiança nas instituições governamentais. Esta perspetiva nasce de um compromisso com os princípios constitucionais e na convicção de que a adesão ao Estado de direito é fundamental para a democracia.
O impacto psicológico estende-se às comunidades imigrantes, que anseiam pela sua situação, temendo que são alvos de preconceitos governamentais, independentemente do seu estatuto legal. Tais sentimentos podem levar ao afastamento social e à redução da cooperação com as autoridades policiais, afetando assim a segurança da comunidade.
Neste caso, a interação entre a autoridade jurídica e a perceção psicológica sublinha a complexidade da política de imigração e da sua aplicação. O equilíbrio entre os interesses de segurança nacional e as garantias constitucionais exige uma deliberação cuidadosa para manter a confiança do público e defender os valores democráticos.

Manuel Leal

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