“A cidade perdeu vitalidade durante a maior parte do ano, quando as alterações introduzidas no trânsito deveriam ter acautelado e até aumentado o comércio. É ele que garante todo o ano a vida na cidade, pois são cada vez menos os residentes e cada vez mais os alojamentos locais e estruturas hoteleiras.”
O início da época alta prenuncia um verão de grande afluência.
A cidade de Ponta Delgada apresenta uma acentuada movimentação de visitantes, enquanto os residentes passam pelas ruas nas suas viaturas e, normalmente, não apeiam-se para entrar no comércio local.
É por isso que as casas comerciais, de dia, têm muito pouco movimento e à noite são os bares e restaurantes que animam a cidade. Estes cresceram, ocupam espaços antes preenchidos por lojas do pronto-a-vestir, de electrodomésticos, de materiais diversos e de escritórios e agências prestadores de serviços.
Como aconteceu com muitas famílias citadinas, muitas empresas optaram também por instalar-se na periferia, onde é fácil o estacionamento de viaturas, em amplas zonas e espaços comerciais que começam a ficar superlotados.
O número crescente de viaturas é, na verdade, um problema para a atividade económica no centro urbano.
Optou-se por encerrar, definitivamente, algumas artérias centrais, mas logo os empresários se queixaram, devido ao decréscimo de consumidores e de vendas.
A cidade perdeu vitalidade durante a maior parte do ano, quando as alterações introduzidas no trânsito deveriam ter acautelado e até aumentado o comércio. É ele que garante todo o ano a vida na cidade, pois são cada vez menos os residentes e cada vez mais os alojamentos locais e estruturas hoteleiras.
Ponta Delgada corre também o risco de desertificar-se comercialmente devido ao crescimento do comércio eletrónico. E se não se acautelar o actual parque residencial corre-se igualmente o perigo de algum dele ir parar às mãos de proprietários estrangeiros. Esta é uma possibilidade que já se verifica em ilhas mais pequenas.
Em tempos sugeri que os transportes públicos urbanos envolvessem toda a malha residencial das freguesias citadinas, de São Pedro a Santa Clara, até aos limites.
Esta medida proporcionaria uma maior mobilidade às pessoas com mais debilidades e, simultaneamente, retiraria do centro urbano a carga de viaturas e de poluição que ali se acumula.
Não entendem assim os autarcas municipais, porque não vivenciam os problemas do comum dos mortais. Não auscultam a voz das populações e, pior, julgam-se donos da verdade. Esta é uma das explicações para muitas decisões erradas tomadas nos gabinetes, contra o bom-senso dos cidadãos.
O exemplo que aqui apresento respeita a uma obra recente, mal feita, e de consequências graves.
O Município entendeu remodelar o largo de bifurcação no início do Calço da Má-Cara. Vai daí, alterou-se o espaço central existente, reduziu-se o número de árvores, ampliou-se o estacionamento, se bem que, a menos de cinquenta metros, já existissem espaços disponíveis para muitas dezenas viaturas.
O projeto, porém, não cuidou de proteger os peões utentes da Clínica de São Sebastião. Num determinado espaço, precisamente onde viram as viaturas que descem para a Rua da Arquinha, não existe passeio para resguardo e protecção dos peões. Por isso, quem projetou e autorizou a obra será, certamente, responsabilizado por qualquer acidente grave que, eventualmente, ali ocorra. O empreendimento camarário justificava-se sobremaneira para proteger os transeuntes e os condutores de viaturas e não para alterar o antigo traçado do local em benefícios de outra ordem.
Pela cidade de Ponta Delgada estão a surgir novos empreendimentos habitacionais. Espera-se que satisfaçam a procura de quem pretendem residir no espaço citadino. Deseja-se também que as novas construções se enquadrem no sistema viário existente, sem provocarem mais e indesejados congestionamentos do trânsito. Para isso a melhor resposta são os transportes públicos urbanos com carreiras frequentes e adequadas aos utentes.
A cidade tem de ser um espaço agravável de lazer, de convívio e com fáceis acessos. Não um aglomerado de conflitos, de ruas estreitas, onde se caminha com o credo na boca, sem vontade de voltar.
Ponta Delgada, que pretende ser Capital Portuguesa da Cultura, carece de uma urgente e prospectiva reflexão, envolvendo as diversas áreas do saber e todos os seus habitantes.
José Gabriel Ávila*
*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com