Uma análise técnica sobre como a reorganização da operação da SATA Air Açores pode reduzir custos, melhorar o serviço inter-ilhas e reforçar a coesão territorial nos Açores.
“Recentrar os Açores no seu próprio centro geográfico é mais do que um acto de justiça territorial — é uma decisão de gestão inteligente.”
Os dados estatísticos do SREA (Estatísticas dos Açores) sobre o tráfego aéreo nos Açores revelam tendências que merecem uma reflexão aprofundada. Em 2024, registaram-se 29.155 voos, um aumento face aos 28.013 voos registados em 2023, o que representa um crescimento de cerca de 4,1%. Este aumento não se traduziu, no entanto, numa alteração substancial do padrão de distribuição geográfica ou na reconfiguração estratégica da malha dos voos. Pelo contrário, reflectem uma tendência que se acentua, na concentração em Ponta Delgada (PDL) da maioria dos voos territoriais (mais de 70%) e uma fatia significativa do tráfego inter-ilhas (cerca de 34%). Já a Terceira (TER), representa aproximadamente 27% do tráfego inter-ilhas.
Os dados de 2024, no que diz respeito aos voos internacionais, acentuam esta disparidade: PDL recebeu 2.537 voos, contra apenas 380 em TER. Isto resultou em 319.072 passageiros internacionais desembarcados em São Miguel (93,8%), contra apenas 20.753 passageiros na Terceira (6,1%). Nas restantes ilhas, praticamente não há operação internacional, salvo voos pontuais, na sua maior parte, de aeronaves ligeiras.
Compilação dos dados obtidos em: https://srea.azores.gov.pt/ReportServer/Pages/ReportViewer.aspx?%2fQuadros%2fAvioesPassageirosCargaCorreio
Quanto aos voos territoriais, a diferença também é notável: 692.421 passageiros desembarcaram em PDL, contra 207.689 na Terceira. O Faial recebeu 45.657, o Pico 26.273 e Santa Maria apenas 10.326 passageiros. Estes dados ilustram um enorme desequilíbrio de oportunidades para as restantes ilhas, desequilíbrio esse alimentado também, por uma política de concentração da operação da Azores Airlines (S4) em PDL, que acaba por distorcer toda a lógica operacional da SATA Air Açores (SP).
Os cálculos
Garantir “comparabilidade” significa assegurar que as métricas, dados ou elementos que estão a ser comparados são medidos de maneira semelhante e são de natureza similar, pelo que procurámos assegurar-nos que as respectivas redes viessem a dar sensivelmente os mesmos Números de Lugares Oferecidos, Números e Horas de Voos e Número de Passageiros Transportados, (com o Load Factor publicado de 76%).
Ora a SATA Air Açores, estando baseada em PDL, opera com um comprimento médio de rota (ASL – Average Stage Length) de 285 km. Se estivesse baseada em TER, essa distância média cairia para 215 km. A diferença entre uma base puramente TER e uma base exclusivamente PDL, representa uma diferença de 70 km por voo, traduzindo-se num acréscimo de 25% no custo líquido da operação, desperdiçando combustível, horas de voo, ciclos de manutenção e eficiência geral. Por outro lado, se a operação tivesse uma “base dupla”, com operações partilhadas entre PDL e TER, resultaria numa média de 245 km.
Sem acesso a informação privilegiada sobre a operação da SP, as simulações de custo operacional tiveram de ser baseadas nos KPIs1 publicados no Relatório e Contas de 2023, e depois alinhadas com os dados do SREA. Foi usado um modelo de cálculo das distâncias previstas (via LIDO, sistema usado pela Lufthansa e pela TAP para o planeamento de voos), o que nos permitiu estimar:
Uma poupança de 22% (€28,9M) para uma operação centrada em TER (custo anual estimado: €108,6M contra €137,5M em PDL);
Uma poupança de 13% (€16,7M) para uma operação dual base, com 9516 voos a partir de PDL e 6448 a partir de TER (custo estimado: €120,8M).
Que um modelo de base dupla representaria uma poupança líquida anual de €14M – mesmo após um acréscimo estimado em €2,7M/ano para suportar a instalação de uma base técnica nas Lajes (TER) – fruto de menores distâncias, menos horas de voo, menor consumo de combustível e menores necessidades de manutenção, (i.e., menores custos operacionais).
Com esta configuração, estima-se uma redução de aproximadamente 518 toneladas de combustível por ano, assumindo um custo médio de €800 por tonelada e uma poupança operacional total de €414.980, conforme evidenciado no quadro comparativo Hub Dependent Total Route Cost Calculation. Esta redução representa não apenas uma poupança direta nos custos operacionais, mas também uma diminuição relevante nas emissões de CO2 — cerca de 1.637 toneladas por ano, assumindo um fator médio de 3,16 toneladas de CO2 por tonelada de jet fuel. Este dado reforça o compromisso da operação com critérios de sustentabilidade ambiental, cada vez mais valorizados a nível europeu e internacional.
A frota voaria menos 650 horas por ano, aliviando custos com tripulações e alargando no tempo os intervalos de manutenção. Esta abordagem racionaliza a operação sem prejudicar o serviço prestado às populações — pelo contrário, aumenta a fiabilidade e a sustentabilidade do modelo de mobilidade aérea regional.
Estes resultados, embora de natureza académica, foram desenvolvidos com rigor, garantindo que todas as variáveis principais — lugares disponíveis, número de voos e taxa de ocupação média publicada de 76% — se mantivessem constantes em todas as simulações. A configuração da base dupla foi calculada a partir de uma proporção de 1,5 voos com origem em PDL para cada voo com origem em TER, assegurando comparabilidade e refletindo a predominância actual de São Miguel na operação inter-ilhas. Assim, qualquer variação nos custos resulta exclusivamente da diferença na distância média percorrida, tempo de voo e respectivo consumo específico por segmento.
É neste contexto que achamos que se deve privilegiar o modelo de base dupla, combinando as vantagens logísticas da Terceira com o peso turístico e institucional de São Miguel. Trata-se de uma solução equilibrada, que reconhece a realidade operacional actual, mas introduz uma lógica de eficiência e de equidade territorial. Esta abordagem permite uma transição progressiva e responsável, com ganhos financeiros imediatos e reducção paulatina das ineficiências estruturais da malha actual dos voos. Garante também a continuidade da operação em ambas as ilhas, reforçando a resiliência e capacidade de resposta do sistema aéreo regional e, permite preservar consensos sociais e políticos fundamentais, num momento em que se questiona o futuro da Azores Airlines.
A reestruturação da SP e a modernização da sua operação deveriam estar a ser encaradas como parte integrante de um processo mais amplo de negociação estratégica no âmbito da privatização da Azores Airlines. Integrar esta visão no processo negocial não só valorizaria a proposta técnica da futura concessionária, como reforçaria a lógica da complementaridade entre a SP e a S4, evitando descoordenações de horários, melhorando a eficiência e consolidando a coesão territorial dos Açores.
O reposicionamento da malha inter-ilhas com uma base técnica nas Lajes (TER) permitiria transformar a SP numa operadora regional mais competitiva, mais ecológica e financeiramente sustentável. Esta escolha não deve ser motivada por bairrismos ou preferências insulares, pois deve assentar numa lógica de racionalidade geográfica e operacional, apoiada em evidência empírica e num modelo de gestão eficiente e adaptado à realidade arquipelágica dos Açores.
A privatização (mesmo que parcial) da SATA Air Açores também deveria estar na ordem do dia da discussão política regional. Tal como a liberalização dos voos de carga aérea e parcial dos voos interilhas, com OSP restringidos às ilhas com menor tráfego, libertando o orçamento da Região, para as matérias fulcrais.
A modernização das acessibilidades açorianas exige coragem política e visão estratégica. Exige também abertura ao debate e capacidade de reconhecer que propostas alternativas podem contribuir positivamente para o bem comum. “Recolocar os Açores no centro do mundo” passa, antes de mais, por “recentrar os Açores no seu próprio centro geográfico”, com soluções equilibradas e orientadas para o futuro.
1 KPI – É a sigla para Key Performance Indicator (Indicador-Chave de Desempenho). Trata-se de uma série de valores quantitativos fundamentais, utilizados para medir o progresso de uma empresa, projecto ou processo, com relação a metas específicas, permitindo avaliar o sucesso das acções e estratégias adoptadas.
Victor Silva Fernandes*
- Comandante jubilado da aviação comercial