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IDEIAS HÁ MUITAS

Hipocrisia política ao sol de julho

Dizem-nos que os tempos são difíceis. Pior: convencem-nos disso com tal fervor que parece não haver saída nem solução. Mas olhando para a História, é quase cómico pensar que esta é a era mais sombria da Humanidade. Já atravessámos guerras, pragas, ditaduras, revoluções. Difícil? Sim. Mas não inédito.
O que é, sim, novo — e cada vez mais escandaloso — é a elasticidade moral de quem governa e protesta. Ainda mal se haviam digerido os resultados das últimas legislativas, e já se erguia um coro indignado contra a falta de habitação. Em Lisboa, desceu-se a avenida, subiu-se ao Chiado, e gritou-se contra a política habitacional do recém-empossado governo de Luís Montenegro. À frente, as manas Mortáguas, lado a lado com toda a esquerda indistinta que exigia soluções imediatas. Até aqui, tudo dentro da Constituição: livre expressão e livre pensamento.
O problema, ou melhor, a desfaçatez, viria semanas depois. Loures e Amadora — autarquias de esquerda, com responsabilidades sociais assumidas — avançaram com demolições sumárias de bairros ilegais. Famílias inteiras, já marginalizadas, ficaram sem teto. O pulso firme exibido pelas câmaras queria, quem sabe, sinalizar coragem perante problemas como imigração clandestina e urbanização selvagem. Mas eis a grande ironia: ninguém desceu a avenida desta vez. Ninguém fez soar as trombetas.
Onde estava a esquerda indignada? Onde estavam os mesmos rostos que protestaram com tanta fúria contra o governo central? Nada. Silêncio cúmplice. A extrema-esquerda, normalmente ruidosa, calou-se. As demolições ocorreram numa sexta-feira de julho, quase em período de férias parlamentares e em vésperas de eleições autárquicas. Coincidência? Talvez. Conveniente? Sem dúvida.
Esta irresponsável, maldosa e inaceitável dualidade de critérios é perigosa. É corrosiva. E quando se torna regra, deixa de ser política — passa a ser teatro. Um teatro onde uns gritam conforme a cor do palco e outros, sentados na plateia, já aprenderam a distinguir os atores dos farsantes.

Luís Soares Almeida

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