Viver nos Açores é, dizem, uma bênção. Mar cristalino, paisagens de cortar a respiração, gente hospitaleira. E é. Mas também é um exercício de paciência épica sempre que se tenta… receber correio.
Sim, falo da nobre arte de esperar. Esperar pela carta que ficou “retida em distribuição”. Esperar pela encomenda que, apesar de já ter chegado ao arquipélago, decidiu fazer um retiro espiritual algures num entreposto logístico. Esperar por um aviso que só aparece depois da encomenda já ter voltado para trás. É quase poético, não fosse trágico.
A empresa CTT, que em tempos foi símbolo de serviço público fiável, transformou-se numa espécie de roleta russa postal. Hoje em dia, nos Açores, nunca se sabe o que chega, quando chega, nem se chega. A única coisa garantida é a frustração.
Claro que é fácil apontar o dedo à distância geográfica, ao mar, ao tempo instável. Mas quando o problema se repete sistematicamente, nas nove ilhas, com diferentes escalas, aviões, barcos e estados de alma, talvez a culpa não seja do nevoeiro. Talvez seja mesmo de quem gere o serviço postal como se os Açores fossem uma nota de rodapé no mapa.
E perante isto, que soluções temos?
Bom, podíamos continuar a reclamar nas redes sociais. Podíamos enviar mais cartas de protesto, se achássemos que chegavam a algum lado. Mas talvez esteja na altura de dar um passo mais sério.
Porque não o Governo Regional dos Açores assumir um papel activo e exigir um levantamento rigoroso do estado real do serviço prestado pelos CTT na Região? E se esse estudo fosse desenvolvido por quem conhece verdadeiramente o território, como a Universidade dos Açores, por exemplo?
Uma equipa técnica, multidisciplinar, com acesso a dados, estatísticas, reclamações, prazos de entrega, custos operacionais e realidades locais. Uma estrutura capaz de diagnosticar o problema com precisão científica e, melhor ainda, de apresentar soluções viáveis e concretas. Desde alterações logísticas a propostas de novos modelos de operação postal nos Açores, com ou sem os CTT.
Esta não seria uma luta política, nem um exercício de retórica. Seria um passo responsável, sustentado e com o peso da evidência. Porque para exigir mudança é preciso mais do que indignação, é preciso mostrar, com dados, o que corre mal e como pode correr melhor.
Os açorianos não querem privilégios. Só querem que o correio chegue a tempo e horas, o que, convenhamos, não parece um pedido assim tão exótico em pleno século XXI.
Carlos Pinheiro