O mundo do trabalho mudou e continua a mudar a uma velocidade que dispensa manual de instruções. O que antes era sinónimo de estabilidade e rotina é agora um território de reinvenção constante. A digitalização, o teletrabalho e a automação abriram novas portas, embora algumas sem aviso prévio sobre o que há do outro lado. E é precisamente nas pequenas comunidades, como tantas que existem nos Açores, que este desafio ganha uma dimensão particular: como reter talento, criar oportunidades e garantir que a inovação não chega apenas de avião?
Durante décadas, as ilhas viveram condicionadas pela geografia, quase como se o mar fosse uma muralha invisível que separava os sonhos das oportunidades. O isolamento e a escala sempre foram vistos como limitações, uma espécie de fatalismo insular. Mas eis que o século XXI decidiu baralhar as cartas. Hoje, o “local” é o novo “global”. Temos açorianos a trabalhar remotamente para empresas internacionais, startups a vender serviços tecnológicos a partir de freguesias e artesãos que transformam produtos locais em marcas com clientes espalhados pelo mundo. Afinal, quem diria que o Wi-Fi podia ser mais revolucionário do que o barco?
Mas a mudança não acontece por geração espontânea. Exige políticas públicas com visão, escolas que preparem para as profissões do futuro e autarquias que percebam que a fixação de jovens casais vale tanto como uma nova estrada. É preciso investir em conectividade, qualificação, habitação e espaços de trabalho colaborativo que tornem as ilhas mais atrativas. Um jovem que decide viver na Terceira ou no Pico e trabalhar online para uma empresa de Lisboa ou Berlim não está a “ficar para trás”; está, na verdade, um passo à frente.
Há também uma dimensão humana que merece ser sublinhada. Trabalhar a partir de uma pequena comunidade é, muitas vezes, reencontrar o equilíbrio que as cidades há muito perderam. É poder almoçar em casa, ver os filhos crescer, participar na vida da freguesia e, ainda assim, estar ligado ao mundo. Nos Açores, esta combinação entre qualidade de vida, segurança e natureza é uma vantagem competitiva que nem sempre valorizamos. Talvez porque estamos habituados a olhar para o que nos falta e não para o que temos de sobra.
O futuro do trabalho nas pequenas comunidades dependerá da nossa capacidade de unir tecnologia e território, inovação e identidade, global e local. Se soubermos valorizar o talento que cá está e criar condições para o talento que quer vir, os Açores deixarão de ser vistos como um arquipélago distante e passarão a ser aquilo que sempre foram: um laboratório de futuro rodeado de mar por todos os lados.
Carlos Pinheiro