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Miguel Machete, coordenador do Programa de Observação para as Pescas dos Açores (POPA)

“Não existe qualquer referência ou manifestação de interesse por parte do Governo Regional dos Açores e da tutela sobre o financiamento futuro”

No final da década de 90, entendeu-se que a indústria atuneira dos Açores seria penalizada se não conseguisse garantir o estatuto “Dolphin safe” para os seus produtos e derivados. O Programa de Observação para as Pescas dos Açores (POPA) surgiu como resposta a essa necessidade em 1998, assegurando que as capturas de atum nos Açores não provocavam mortalidade ou molestação intencional de cetáceos. Este estatuto, atribuído a nível internacional pela ONG EII, é desde então concedido à frota e produtos da pesca do atum açorianos com base nos resultados do Programa. Para além de possibilitar este certificação, o POPA revelou-se também crucial na obtenção de outro estatuto, Friend of the Sea, que certifica a pescaria nos Açores como uma actividade sustentável e amiga do ambiente. Esta, foi a primeira pescaria de atum a nível mundial, a usufruir de tal estatuto.
O POPA é uma ferramenta de monitorização que se vem revelando crucial para a Região Autónoma dos Açores.
Liderado por João Gonçalves, o Programa de Observação para as Pescas dos Açores tem como coordenador Miguel Machete, que nesta entrevista salienta: “o POPA, é uma das ferramentas de monitorização marinha mais importantes para a Região e para o país”.

Como decorreu este ano a campanha de acções de observação desenvolvidas pelo POPA?
O Programa de Observação para as Pescas dos Açores (POPA) foi instituído por portaria regional (31/99) um ano depois da sua implementação, em 1998. É gerido pelo Instituto do Mar (IMAR) e actualmente, financiado em exclusivo pela Região, através da tutela do mar (Secretaria Regional do Mar e das Pescas/Direcção Regional das Pescas).
Até 2024, o período de cobertura do POPA estava enquadrado com a dinâmica habitual da safra de atum nos Açores, que decorria entre os meses de Maio e Outubro. No entanto, nos últimos três anos, a Comissão Executiva deste Programa (composta por um coordenador e um presidente) apercebeu-se que a dinâmica da pescaria estava a alterar-se, havendo uma tendência para as embarcações atuneiras iniciarem a sua actividade mais cedo. Nesse sentido, foi concertada uma nova estratégia, em sintonia com os membros da Comissão de Supervisão deste Programa, que assentou na antecipação da cobertura.
Este ano, o embarque de observadores teve início a 11 de Abril, depois de concluídos o processo de avaliação de candidaturas e selecção de candidatos (entre 1 de Janeiro e 21 de Fevereiro) e a formação específica pré-embarque (cerca de 60 horas com componentes práticas e teóricas, entre os dias 31 de Março e 10 de Abril). Terminou no dia 28 de Setembro, com a saída do último observador da equipa, coincidindo esta, com o fim da safra da grande frota (embarcações com mais de 14 metros de comprimento).
As acções de observação e registo de informação científica sobre a pescaria (onde, como, quando, o que se pesca, etc.), espécies associadas (cetáceos, aves e tartarugas marinhas) e lixo marinho à superfície, decorreram como previsto.

Relativamente ao processo de recrutamento de observadores, a adesão cobriu as necessidades?
O recrutamento em 2025 revelou-se difícil, com poucos candidatos (37), maioritariamente sem experiência de observação e/ou embarque, a apresentarem-se para as oito vagas disponíveis. No decorrer do processo de selecção, desistiram quase metade (por razões várias), o que dificultou ainda mais a composição final da equipa, que acabou por incorporar apenas 7 elementos. Entende-se que a incapacidade financeira do POPA, para proporcionar uma remuneração compatível com o nível de requisitos pretendidos para estes profissionais, num mercado de contratação, mesmo em Portugal, que pratica valores consideravelmente mais elevados, está na base desta tendência decrescente de candidaturas que se tem vindo a acentuar de ano para ano.

Quantos atuneiros e de que portos, estiveram envolvidos na campanha?
Relativamente à cobertura da grande frota (porque a cobertura da pequena frota também está a cargo do POPA, mas é realizada através de inquéritos), assumiram compromisso com o Programa, armadores de todas as embarcações em actividade na RAA – 21 registadas nos Açores e oito registadas na Madeira.

Que áreas são observadas? Há limitações, por estar o programa sedeado no Faial?
O POPA cobre toda a área de acção das embarcações atuneiras que pescam nos Açores e por vezes, fora dela (maioritariamente em episódios de deslocação da ou para a Madeira). Não há qualquer limitação pelo Programa se encontrar sedeado no Faial.

A observação é apenas de atuns ou acompanham outras espécies de relevo para o sector das pescas?
Os registos recolhidos incluem todas as espécies de atum que são alvo da pescaria (5), assim como capturas acessórias (de outras espécies comerciais que possam eventualmente ser capturadas com a arte de salto e vara) e rejeições (todas as espécies capturadas pela mesma arte que tenham outro destino que não seja a descarga em porto). Os observadores do Programa recolhem ainda informação múltipla georreferenciada, sobre os eventos de pesca de isco vivo (ex: chicharro, cavala, sardinha), que é o único tipo de isco utilizado na arte de salto e vara.

Sobre o POMET – observadores de megafauna a bordo de embarcações de tráfego de passageiros, como decorreu?
A Direcção Regional dos Assuntos do Mar (DRPM) no âmbito do concurso público nº 3/DRPM/2023 para a celebração de contrato de aquisição de serviços para o “desenvolvimento e operacionalização do Programa de observadores de megafauna a bordo de embarcações de tráfego local (POMET), no âmbito do projecto LIFE IP Azores Natura (LIFE17 IPE/PT/000010) NATURA) ” contratou o Programa de Observação das Pescas dos Açores (POPA) do IMAR para seleccionar, formar e gerir a equipa de observadores do POMET entre 2023 e 2025. Esta é mais uma das coberturas que o POPA desenvolve, neste caso em particular, com características estruturais e logísticas muito diferentes da anteriormente descrita. A cobertura de 2025 decorreu (e decorrerá até 31 de Dezembro) como previsto, com dois observadores no efectivo, que realizaram uma amostragem significativa das viagens realizadas pelas embarcações de transporte de passageiros da Atlanticoline (colaboradora directa do projecto) que, actualmente, só decorrem praticamente no Grupo Central. Foram registados milhares de dados georreferenciados e identificadas dezenas de espécies de megafauna (cetáceos, aves e tartarugas marinhas), bem como lixo marinho, que serão cruciais para a DRPM, entre outras coisas, construir mapas de distribuição espacial destes animais nas áreas costeiras e entre ilhas, que darão resposta às solicitações feitas pela União Europeia aos estados Membros (onde se inclui Portugal e naturalmente a RAA), no âmbito de vários diplomas (ex: Directiva Quadro para a Estratégia Marinha – DQEM).

A limitação a observadores residentes no Faial é uma condicionante?
O cargo de observador do POMET implica residir (ou passar a residir) no Faial, durante o período de trabalho, porque todas as rotas da Atlanticoline, têm início nesta ilha.

Mas essa condição acaba por ser é uma condicionante para eventuais interessados habilitados de outras origens…
A condição, é (e foi) residir no Faial durante o período de trabalho. Qualquer pessoa habilitada de outras origens, podia candidatar-se às vagas disponíveis. Teria era de estar disponível para se deslocar e residir temporariamente nesta ilha, como aliás, fazem muitas outras pessoas, noutras áreas de trabalho.

Quais os resultados das observações de 2025?
A cobertura da pescaria de atum terminou recentemente e como será compreensível, o POPA não dispõe ainda dos “resultados” das observações. Até porque, depois de terminada a safra, os dados recolhidos sob a forma de formulários e informatizados diariamente pelos observadores, são sujeitos a um processo de correcção e validação por um observador sénior e pela Coordenação do Programa, processo esse que ainda está a decorrer. Posso adiantar que temos cerca de 140 relatórios, correspondendo cada um, em média, a 4 dias de viagem, com milhares de dados georreferenciados sobre muitas centenas de eventos de pesca (de atum e de isco vivo), operação e dinâmica das embarcações, transectos em esforço de observação, avistamentos de megafauna, lixo marinho, entre outros.

Para o próximo ano, todas as acções são para repetir? Haverá alguma inovação?
O POPA, é uma das ferramentas de monitorização marinha mais importantes para a região e para o país (é o único Programa de Observação para as Pescas, instituído em Portugal). Como exemplo, e cingindo-nos só à pescaria de atum, possui a maior base de dados do mundo relativamente ao Atlântico Norte, contendo mais de 5 milhões de registos, ao longo de uma série temporal de 28 anos. Para além disso, garante a manutenção de várias certificações ecológicas, fundamentais para o sustento da Pescaria de Atum (ex: Dolphin Safe). Sem esta estrutura (e mais algumas de grande importância, que também dependem do financiamento regional), a Região, o sector das pescas (produtores, indústria, comerciantes), investigadores nacionais e internacionais, entre outros, não têm e não terão condições para dar resposta, às cada vez mais exigentes condições e solicitações, dos Diplomas Europeus (exs: DQEM, Política Comum de Pescas, etc.) e de outros de diferentes organizações de gestão internacional (ex: RFMOs – Regional Fisheries Managment Organizations).
Apesar disso, existe neste momento, uma grande incerteza sobre a continuidade de Programas como este na região. Podemos constatar, na recentemente publicada “Anteproposta para o Plano Regional Anual de 2026”, que está alocada uma verba de 1,4 milhões, que servirá para cobrir as transferências de verba, que há muito deveriam ter sido feitas, para financiar os anos de 2024 e 2025, destes Programas de monitorização regionais. No entanto, não existe qualquer referência ou manifestação de interesse por parte do Governo Regional dos Açores e da tutela sobre o financiamento futuro dos mesmos Programas.
Neste contexto, torna-se naturalmente impossível responder à questão colocada, ou seja, o Programa (tal como os outros já referidos) continuará a desenvolver as suas inúmeras e cruciais acções, se o Governo Regional dos Açores e a tutela, entenderem que o mesmo deve continuar a ser financiado.

Rui Leite Melo

*[email protected]

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