Duas conclusões sobre a autonomia açoriana: a1.ª, da necessidade de se alterar a Constituição para acertar o fraco e ademocrático sistema de governo regional. A 2.ª, de que a Região Autónoma não necessita de nenhuma reforma da autonomia relativa aos seus poderes legislativos e de desenvolvimento porque temos enormes poderes autonómicos que a Constituição e o Estatuto Político prevêem; não existe falta de poder legislativo e de iniciativa e até de legislar com autorização sobre matérias do Estado; nem falta de múltiplos mecanismos de audição e cooperação e desenvolvimento conjunto.
Dito isto, fácil é concluir que só é necessário que o Estado, ou a Região Autónoma, promova o acerto ao sistema de governo regional; feito isso, tudo se resolve porque um modelo idêntico ao do Estado provocará a multiplicação da verbalização com eficácia democrática e efetiva porque os cidadãos insulares obterão, assim, garantias idênticas aos portugueses no continente para, em democracia processual, provocarem as necessárias mudanças. Deve ser a própria Região a desenvolver essa iniciativa através da aprovação duma resolução pela Assembleia Legislativa. Não o querendo, como não quer e não sabe fazer, terá o Estado que o fazer porque é ele que tem, em primeira linha, a responsabilidade perante todos os portugueses em todo o espaço do país. Existem outras soluções? Claro que sim. Uma simples, mas de difícil concretização pelo típico marasmo insular: agruparem-se cidadãos no sentido de promover esse debate na comunicação social e junto dos órgãos do Estado e da Região Autónoma.
Mas vejamos. Até ao século dezoito a maioria da população do arquipélago centrava-se em dois grupos de ilhas: no central, com Pico, Faial, São Jorge, Graciosa e Terceira, e no ocidental, com Flores e Corvo, designemos por G7, com preponderância na Terceira; e face ao grupo oriental, São Miguel e St.ª Maria, designemos por G2. De entre estes dois grupos, o G7 detinha 62% da população dos Açores em 1695, 59% em 1747, 58% em 1776 e 63% em 1795. A partir do século dezanove com a autonomia administrativa distrital que existia desde 1832 esse figurino foi sendo paulatinamente alterado e sobretudo a partir do ano de 1911 com o G2 a53% e o G7 a 47%.Ou seja, durante a maior parte da história da autonomia açoriana o G7 tem sido preponderante em população; pode concluir-se que a Terceira tinha um registo político central e “harmonioso” no desenvolvimento das ilhas. Mas, mais significativo: verifica-se que o G7 promovia um índice de proximidade capaz de fazer das ilhas do Pico, Faial e São Jorge pólos de população e desenvolvimento.
A ideia de Luís da Silva Ribeiro, a que dá o nome à Biblioteca d’Angra do Heroísmo, e defendida em 1923, preconizava um modelo de autonomia baseada nas autarquias locais. O erro do seu sistema residia no seguinte: não é possível aos municípios governarem uma região política, mais a mais através de um parlamento que reuniria rotativamente; no seu pensamento autonómico reside um simbolismo municipalista mais apropriado para o sistema distrital que durou no arquipélago desde 1832 até 1974-1976, mas não para um sistema político. Mas a ideia de aproveitar o municipalismo não é errada para outros efeitos. Repare-se como no continente a lei permite regiões distritais, para efeitos de turismo, Nuts e outras dimensões; o próprio sistema das autarquias prevê a reunião de municípios; e também o sistema de regiões administrativas que está previsto na Constituição desde 1976. Ou seja, é possível os próprios municípios se organizarem nos interesses específicos dos seus próprios territórios.
É nesse registo que podemos, e devemos, pensar num modelo municipalista – para um governo económico das ilhas do G7: esse grupo compreende neste momento 100.502 habitantes e 10 concelhos, ou seja, tem dimensão para fazer do G7 um importante centro de desenvolvimento, e através duma instituição pública empresarial e intermunicipal. E teria esse G7 relações com toda a região autónoma, evidentemente com o G2 (que compreende uma população de 142.834 indivíduos e 7 concelhos). É perfeitamente concretizável um projeto nesse sentido e cuja finalidade seria promover um governo económico de modo a garantir um comércio que sustente a economia dessas sete ilhas e especialmente em matéria do seu próprio mercado interno. Não se trata duma sobreposição de atribuições; nem se trata de dividir as ilhas. A Região Autónoma continua a existir e as suas políticas regionais. A par dessas, surge uma entidade pública intermunicipal com finalidades especiais para garantir um comércio mais coincidente com a sua matriz de dispersão e solidariedade entre as sete ilhas.
Este tipo de solução não é estranho no mundo moderno: no plano municipal existem cidades do norte europeu cujos municípios se organizaram para terem o seu próprio modelo de acesso à energia renovável; e há casos em que não só usam o seu próprio sistema, assim como obtêm dividendos por venderem às empresas privadas e estatais o excesso de energia obtida.
Nos Açores – esse tipo de situação, de governo económico, pode constituir um perigo para a atual autonomia política; não o podemos negar. Se o G7 atingisse patamares de excelência económica numa dimensão apropriada e de boa qualidade de vida, e com parceiros genuinamente interessados, naturalmente que se questionará algum dia a utilidade da Região Autónoma. Pois como esta se concentra no desenvolvimento do G2 à custa do G7, claro que renascerá das cinzas a águia redentora da terceirense frase Antes morrer livres que em paz sujeitos; esse modelo poderia corroer a ditadura de empresas extrativas da Região Autónoma, como a EDA e a SATA, que servem sobretudo a economia e a indústria do G2. Poderia também levar à divisão da Região em duas, uma do G2 e outra do G7; os próprios modelos nacionais que acima assinalamos também podem contribuir para esta realidade.
Em política quase tudo é efémero. Na verdade, se as instituições políticas e económicas são inclusivas, acontece um círculo virtuoso que torna a sociedade feliz e solidária; se não é inclusiva é por que é exclusiva num círculo vicioso da elite extrativa. Nos Açores este círculo vicioso é sobretudo mantido por um conjunto de políticos, uns ignorantes e outros interesseiros, que mantêm o seu status quo financeiro à custa da inércia do povo.
Arnaldo Ourique