O atento leitor já teve, com certeza, uns sapatos que usou demasiado tempo, para além daquilo que deveria acontecer. Apesar de se encontrarem adaptados às características dos seus pés, começaram a apresentar algumas mazelas, que já não eram passíveis de disfarçar nem com empenho, nem com a utilização estratégica de graxa ou de um qualquer verniz. Mesmo que adaptados ao formato dos pés, já deixavam entrar um pouco de água, nos dias invernosos ou nas altura sem que não evitou poças de água que foi encontrando no percurso. Mesmo que fizesse um esforço por não valorizar, asua utilização recorrente já lhe valia alguns comentários reprovadores por parte dos mais próximos, alertando-o, com bondade e interesse, para a inadequação da opção de privilegiar o hábito e a rotina, em prejuízo de uma opção diferente, mais funcional e profícua.
Pode parecer que estamos, unicamente, a falar de sapatos, mas estamos a reflectir sobre a nossa tendência para o conformismo, para privilegiar aquilo que é confortável (rotineiro, habitual e menos desafiador) em detrimento daquilo que pode ser melhor. Estamos a reflectir sobre a tendência que temos para confundir coisas confortáveis com coisas boas.
Os sapatos velhos são confortáveis, não são bons, principalmente quando os usamos sempre, em qualquer circunstância. Podemos adquirir um nível diferente de conforto com outros, mesmo que para tal tenhamos de arriscar, de nos adaptar, de, no fundo, mudar. Mesmo que tenhamos de abdicar da rigidez dos nossos padrões, como pontos cardeais de orientação interior, arriscando mudar a forma como lidamos com o mundo exterior, com as pessoas que nos rodeiam e, principalmente, o modo como olhamos para nós e como orientamos o nosso diálogo interno. E se é certo que os nossos padrões acabam por ser tendências automáticas de funcionamento, autênticas armadilhas do conforto, é também certo que, mesmo sendo difícil e percepcionado como arriscado, não são imutáveis, nem eternos.
É, assim, verdade que os nossos padrões podem ser alvo de um feliz upgrade, passando a autênticos Padrões dos Descobrimentos, cujo contributo para maiores índices de felicidade e bem-estar é claro. A psicoterapia surge como uma forma de facilitar estes Descobrimentos e de estimular o processo de mudança.
E, o leitor, tem mudado de sapatos ultimamente?
Fique bem, pela sua saúde e a de todos os açorianos.
Um conselho da Delegação Regional dos Açores da Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Filipe Fernandes*
*Vogal da Direção da DRA-OPP