Diário dos Açores

Desastres anunciados

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PRIMEIRO DESASTRE

A pouco mais de um ano das eleições regionais, o governo da coligação tem pouca margem para errar.
É nos últimos meses de governação que o escrutínio popular é mais atento, daí que os executivos guardem sempre para o último ano do mandato as boas notícias e as inevitáveis inaugurações e lançamentos de primeiras pedras.
É um clássico dos ciclos eleitorais.
Mas com o governo de coligação de José Manuel Bolieiro parece que é ao contrário.
No meio da azáfama governativa a coligação vai ter de lidar com mais alguns dos seus habituais desastres comunicativos.
O primeiro tem  a ver com o fim da base da Ryanair em Ponta Delgada e, ao que parece, a redução de voos neste próximo inverno.
Todo o processo é uma história mal contada, mal gerida pela Secretaria dos Transportes, recheada de silêncios incompreensíveis ou de argumentos aos bochechos, sempre diferentes uns dos outros.
A coligação não soube gerir este processo, continua atarantada e ainda estamos todos por saber se a Ryanair sai por causa de dinheiros, por causa de slots em Lisboa ou por causa de taxas aeroportuárias.
É inconcebível que o governo ainda não se tenha sentado à mesa e anunciado aos cidadãos e empresários o que é se está passar e que raio de acordo é que estabeleceu para que não se saibam os respectivos contornos.
Esteve bem o PS e Vasco Cordeiro ao chamar o governo ao parlamento.
São devidas explicações aos açorianos.

SEGUNDO DESASTRE

Aí está o resultado da falta de promoção turística no território nacional: uma queda de dormidas e de hóspedes nacionais.
É verdade que esta não será a única explicação, mas é um facto que a quebra se deve, sobretudo, à queda da procura nacional.
Porquê uma queda na procura nacional?
Porque tivemos uma procura extraordinariamente alta em 2021 e 2022 devido às restrições e/ou ao receio de viajar para fora do país (estes receios estão a desaparecer, se é que não desapareceram já, completamente) e, possivelmente, devido a dois efeitos conjugados - subida dos preços por via da procura externa e descida do poder de compra por via da inflação e subida das taxas de juro.
Mas, também pode ser porque os portugueses voltaram a viajar mais para o exterior.
A quebra é transversal aos principais destinos internos.
Importa ver quando saírem as estatísticas mais detalhadas o que acontece nas receitas globais do setor. É curioso verificar que, no cômputo nacional, as quebras de dormidas acontecem numa tipologia específica de alojamentos: hotéis-apartamentos de 4 estrelas (a maior queda), apartamentos turísticos e aldeamentos turísticos.  A oferta de 5 estrelas continua a ter o melhor desempenho.
Tudo isto deveria ser previsível para quem tem a responsabilidade da promoção dos Açores no exterior.
Em vez de uma promoção maciça, pela previsibilidade dos constrangimentos internos, optou-se por uma promoção tímida e até ausente destas realidades.
Os empresários do sector bem que alertaram, há vários meses, para a reduzida promoção que estava a ser feita e a “exiguidade de investimento para este efeito”.
Se juntarmos a esta quebra a previsível redução drástica de reservas para a época baixa, sobrecarregada pelo efeito Ryanair, então temos uma tempestade perfeita para o sector.

TERCEIRO DESASTRE

Se há falhanço total desta governação na sua primeira legislatura, está obviamente na sua estratégia de comunicação.
Nunca soube comunicar o que fez de bom e continua um desastre a gerir os assuntos polémicos.
O caso dos apoios às empresas de comunicação social é só mais um.
Uma boa medida, que poderá ajudar a salvar os jornais e rádios locais destas ilhas, foi transfomada num pé de vento político a partir do momento em que uma “fonte oficial da presidência do governo” não soube explicar a um jornal nacional como nasceu a proposta, quem a propôs e todo o contexto dos apoios à comunicação social privada.
Foi preciso o PSD dar uma conferência de imprensa para explicar ao pormenor o que já devia ter sido explicado pelo governo.
Não se percebe, por outro lado, a reacção irresponsável de altos dirigentes do PS, eles que nunca souberam encontrar, durante 24 anos, uma fórmula de apoio sólido às empresas de comunicação, com alguns títulos centenários a falir nos últimos anos, nomeadamente A União, na Terceira, e o Telégrafo, no Faial.
À semelhança da rádio e televisão públicas, em que os ordenados dos seus profissionais são pagos pelo Orçamento de Estado, os jornais e rádios locais nestas ilhas também fazem serviço público e, como tal, merecem um apoio público.
Compete às empresas canalizar estes apoios para onde mais custos possuem, incluindo, naturalmente, os de pessoal.
Sugiro a leitura do artigo que publicamos na página seguinte, da autoria de Luís Paixão Martins, reputado consultor de comunicação, fundador da LPM e do News Museum, consultor de partidos políticos e de governos e que ajudou nas campanhas de três maiorias absolutas.
O caldo, por agora, está entornado e não se sabe o que vai acontecer à proposta no parlamento.
Mas é bom que os partidos se desembrulham sobre como querem manter jornais e rádios locais vivos nestas ilhas ou se, pelo contrário, querem ficar ligados ao funeral deles todos, depois da asfixia destes últimos anos.
As declarações precipitadas de altos dirigentes partidários são desprestigiantes para os próprios e para o debate sobre este problema grave que as empresas enfrentam.
Foi resolvido na Madeira, em 2016, com proposta semelhante e não houve este alevante.
O aproximar da contenda eleitoral deve explicar o calor inflamado das declarações irresponsáveis. O que não é nada bom para a democracia e para o fortalecimento do escrutínio por parte de uma comunicação social que se quer mais próxima das populações e menos moribunda.

Osvaldo Cabral *
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

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