Diário dos Açores

Educação, Valores e Currículo: Humanismo e Exigência na Formação

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1. Na Educação, como noutros setores, só se ganha quando se preservam e cultivam os valores de sempre e só se perde, irremediavelmente, quando se degenera em modismos, que querem anular o humanismo da pessoa concreta, mas nunca conseguirão porque o Ser é sempre mais forte e nunca se deixa capturar. Por toda a parte, em Educação e na Formação de Educadores/Professores(as) tem havido tempos áureos e tempos de decadência. Este é um tempo de decadência, - como atesta a globalização - mas no dinamismo do Tempo há-de prevalecer, sempre, o Ser e os melhores, desde logo como pessoas e em caráter. Esse Será o Tempo da boa colheita, da separação do trigo do joio. É uma questão de Tempo. Só os genuinamente grandes e humildes, com sabedoria, são referência para boas sementeiras. Só essa é a trajetória de Luz. Sempre que não há bússula, isto é, quando falham os princípios e os valores é sempre um tempo de decadência.
2. A Educação faz-se também com Literacias mas está muito para além delas. A Literacia, para o ser, tem de se integrar em valores maiores, que potenciem a formação pluridimensional. A literacia não pode esvaziar-se como conceito, isto é, tem de dar conta de uma essência que nem sempre se torna visível na seiva que deve ter para ser, de facto, literacia. Um assunto que urge sempre aprofundar, se queremos ir ao cerne das palavras, das realidades, dos conceitos, mas deixo para outros contextos esse aprofundamento.
Nos documentos internacionais, como o PISA (Programme of International Student Assesement) são referidas quatro Literacias: “Literacia Científica”, “Literacia da Leitura”, “Literacia Matemática”, “Resolução colaborativa de Problemas”. Mas são necessárias muitas mais como, por exemplo, a literacia para os media, para a comunicação social, literacia do Mar, etc. Mas antes, durante e depois é preciso ir mais fundo, é preciso ir aos fundamentos, sem os quais a Educação anda aos solavancos, vai de cova em cova, até ao precipício final.
3. Na Educação deviam estar os melhores, as médias de entrada exigidas deviam equiparar às de medicina e ninguém devia entrar na Profissão de Educador/Professor(a) sem prestar uma Prova Pública, Rigorosa, mas Formativa, de Deontologia, com incidência sobre as atitudes antes e durante a frequência do Curso e num sentido prospetivo. Na ausência de uma Ordem Profissional dos Professores deviam ser os Governos a exigirem tais provas. A Primeira Qualidade que temos de ter em Educação é a Qualidade Humana, que se mostra e desoculta nos atos. A Escola tem de voltar a Ser Escola.
Todavia, admito que muitas vezes as médias não correspondem à real formação humana, e é aí que a Educação e o Sistema Educativo têm fraturas e falhas de alto a baixo, que não podem continuar, a bem de todas as gerações e de uma Sociedade verdadeiramente educativa.
Os fenómenos do bullyuing estão a generalizar-se, temos visto em todos os níveis de ensino e nas Sociedades, em geral. Como vai formar quem é mal formado, não se quer formar e, por hipótese, co-participa em atos que lesam terceiros? Seja onde for, ninguém deveria ficar impune se, por ação ou omissão, lesasse os seus pares ou terceiros. “A Justiça tarda, mas não falha”. Só num ambiente de Verdade se Respira Ser e só o Ser cria um Ambiente de Formação Humana Exigente. Seja onde for, não se pode formar nem ser formado em terrenos minados e com contra-valores (apesar da retórica dos valores, essa é a mentira que faz apodrecer a Educação e o Ensino). É tempo de termos uma Educação de Qualidade e essa não passa por replicar aquilo que já foi posto de parte noutros países mais avançados e com créditos firmados na Educação e Formação. É o caso dos manuais escolares.
4. O tempo traz tudo à claridade do dia. “A Verdade é filha do Tempo”. No livro dos Provérbios e, antes, e sempre, na Universidade da Vida, encontramos muitos provérbios fortemente ligados à Verdade, que é o centro e o núcleo para onde tudo converge e de onde tudo promana. Ora, Ser, Educar e Comunicar exige Valores, que devem irrigar o Currículo em todos os níveis de ensino e em todas as disciplinas.
Depois de uma fase vazia, de retórica vazia, de competências por competências no ensino deu-se, de novo, atenção aos conhecimentos, às capacidades, às atitudes e aos valores, em termos teóricos, práticos e na avaliação. Na leitura atenta, e sistemática, dos Documentos do Conselho Nacional de Educação (CNE) tenho verificado a atenção que de novo passou a ser dada aos Conhecimentos e Valores, desde logo os conhecimentos, se têm essência, constituem valores a transmitir. Note-se que transmissão não é um ato passivo (um dos erros que tem sido replicado décadas atrás de décadas, também na formação de professores), transmissão é, na sua própria etimologia, atitude ativa e axiológica (reporta-se aos valores), isto é, algo que pela sua integridade e valor passa, de modo reflexivo e transformativo, de geração em geração, em dinamismo, tradição, inovação, renovação, valorando a novidade, à luz do conhecer. Vejamos, não a decomposição da palavra, mas a evidenciação para a palavra transmissão. O prefixo dirige-se para algo comum e a raiz da palavra é forte: missão. Qualquer Educação e Ensino devem ter finalidades, têm Missão. Ora deve haver uma transmissão de saberes e de valores entre gerações. Não podemos educar e comunicar sem Figuras de referência, utilizando dispositivos inertes e descartáveis.
5. O Conselho Nacional de Educação (CNE) passou a dar grande importância aos Valores, apresentados “como âncoras que se pretendem mais resilientes que o próprio conhecimento ou as competências adquiridas” (CNE, Parecer, nº 4/2017). [negrito nosso]. É de sublinhar a valoração fundacional da“importância dos princípios e valores” e importa ter isso em conta na educação escolar e na educação não-escolar e na correlação entre as duas. Neste enquadramento de sentido é de ter em conta o Documento: “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.” (2017), que integra, na sua estrutura os seguintes elementos: “Prefácio”, “Introdução”; “Princípios”, “Visão”, “Valores”, “Áreas de competências”, “implicações práticas”. Considero que é muito importante explicitar o conceito de Competências expresso no referido Documento: “As competências são combinações complexas de conhecimentos, capacidades e atitudes, são centrais no perfil dos alunos, na escolaridade obrigatória.” A conceção expressa remete para a complexidade dos conceitos de das realidades, conceito vital tão aprofundado por Edgar Morin, na Ciência e na Educação.  
Neste contexto, e visando uma genealogia diacrónica, buscando o Sentido, há que dar destaque ao Despacho nº 17169/2011, (12 de Dezembro de 2011),[DR, 2ª Série – Nº 245 – 23de dezembro de 2011] através do qual o Ministro da Educação e Ensino Superior, na altura, Professor Doutor Nuno Crato, revogou, ele mesmo, o tão seguido “O  documento Currículo Nacional do Ensino Básico — Competências Essenciais”, divulgado em 2001. Houve quem continuasse a seguir o Documento, desconhecendo a sua incisiva e cortante revogação, mas tendo sido alertados para o facto reviraram, em cambalhota, perspetivas e tiveram de aplicar, com a mesma neutralidade!!!, as novas orientações. A revogação talvez tivesse parecido um golpe de poder, - mas legítimo -,na realidade, tinha coerência, temos de admitir, visto que durante muito tempo, antes de assumir o cargo, Nuno Crato criticou o ensino por competências, que corriam riscos, segundo ele, de estarem esvaziadas de conteúdos e conhecimentos.
6. Tendo em conta a Referência Histórica e as conceções educacionais subjacentes, transcrevemos, aqui, um extrato do Despacho nº 17169/2011, que constitui um Marco Histórico no Sistema Educativo e no Currículo, facto que não tem sido considerado nem merecido a devida análise e reflexão, como Texto Legislativo.
O Despacho nº 17169/2011, saído do “Gabinete do Ministro”, é um documento sucinto, manifesta a posição do Ministério e do Governo, mas sabemos que o Professor Nuno Crato, antes de ser Ministro, opôs-se às Ciências da Educação como sendo responsáveis por um ensino sem conteúdos e sem conhecimentos e exclusivamente dando destaque às “competências”. Isso levou-o a escrever o livro “Eduquês” e, no exercício de Ministro, temos de admitir que foi coerente com o que antes tinha defendido, em público e publicado. Julgo que, como tudo, com o tempo encontra-se o equilíbrio e o meio termo. Quer antesquer depois não me revejo em várias das críticas feitas por Nuno Crato, isto para quem entende as Ciências da Educação como instrumentais em relação ao campo que é a Educação. As Ciências da Educação, bem entendidas, constroem-se em complexos de especificidades e interdisciplinaridades, também com as áreas da especialidade, (e esta é uma tarefa complexa, na sua identidade constituinte) e são elementos estruturantes na Formação de Educadores e Professores/as, mas que se formam tendo em conta várias disciplinas, tendo desde logo presente a área dos fundamentos, nos quais há a relevar a Filosofia da Educação e a Educação da Filosofia que têm, como os encontros científicos e a investigação têm demonstrado, uma fecunda interligação com o Currículo e as Didáticas., entre outros.
Pelo referido Despacho “O documento Currículo Nacional do Ensino Básico — Competências Essenciais, divulgado em 2001” (2011): “deixa de constituir documento orientador do Ensino Básico em Portugal”. Noutros artigos voltarei ao referido Despacho que tendo sido tão sucinto provocou uma modificação de 180 graus a vários níveis.
7. Há documentos legislativos que, mesmo revogados, constituem, também, textos legislativos e contribuem para a compreensão da sua própria historicidade, de que o Sistema Educativo carece.
Não se educa nem se forma com legislação formalista e, seja em que área ou instituição for, a legislação e normativismos excessivos muitas vezes tem por trás más intenções que visam, de modo escondido, armadilhar – e até lesar - a ação dos agentes e dos cidadãos. Seja onde for, precisamos de menos legislação e, acima de tudo, de pessoas honestas nos cargos. Em termos gerais, e por toda a parte, a mediocridade larvar, também nas instituições educativas – em todos os níveis de ensino - e nos sistemas educativos, está a fazer confundir cadastro com currículo. Ora, quem ocupa um cargo, seja em que setor for, têm de ser pessoas bem formadas, pessoas sérias e idóneas, que ocupem os cargos para servir e não para se servirem, muito pior para perseguirem. Mas é bíblico: “o que disseres ao ouvido espalha nos telhados”, “o que fizeres às escuras será visto à luz do dia”, é uma questão de tempo. Numa exigência face a todos e a cada um/a, Bento XVI vinca que a pessoa tem de ser “credível” e “fiável”, dois adjetivos fortes e vinculativos, de que devemos dar provas, reiteradas, sempre e sempre, quer no plano religioso quer no plano laico.
O nosso Curriculum Vitae deve orientar-se por e para os Valores Humanistas, Universais e atuantes. Onde, como e com quem estamos a Aprender a Ser?

Emanuel Oliveira Medeiros
Professor Universitário* 

*Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia  da Educação

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