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Teófilo Braga, vida e obra nas páginas do Diário dos Açores

O «orgulho de ser açoriano»

Saiu de Ponta Delgada aos 18 anos e nunca mais voltou à ilha de São Miguel. Guardava memórias amargas da infância e da adolescência. Manteve um contato epistolar assíduo com Francisco Maria Supico, diretor do jornal A Persuasão, que lhe acompanhou os primeiros passos e o incentivou a fazer carreira universitária.
Entre as numerosas obras que publicou, faz referências a autores açorianos como Gaspar Frutuoso; propôs o camoneanista José do Canto para sócio da Academia das Ciências; e ocupou-se de temas açorianos. É o caso de Cantos Populares do Arquipélago Açoreano (1869). Este trabalho baseia-se na recolha feita por João Teixeira Soares de Sousa (1827-1882) a pedido de Garrett.
Ao ser entrevistado por Albino Forjaz de Sampaio, declara que «nunca tivera a doença do açoreano, o apego ferrenho às suas ilhas, a nostalgia que sentimos quando delas nos afastamos». No entanto, através da minha longa vida, sempre me interessou, tudo o que pudesse interessar aos Açores, especialmente à minha terra». Afirmou, ainda com veemência: «Tenho orgulho de ser açoreano. As nossas ilhas são o foco da melhor tradição nacional. Nunca reneguei a minha terra. Sou ilheu, nasci nesses rochedos donde irradiou o espírito das Autonomias».

O aniversário da fundação do Diário dos Açores remete-nos para a importância que este jornal tem desempenhado, desde as suas origens, a propósito dos acontecimentos políticos, sociais e quotidianos que decorreram na cidade de Ponta Delgada, nos outros concelhos de São Miguel, nas outras ilhas da região e no todo nacional e internacional. Recorde-se que os açorianos dispersos pelo mundo também constituíram sempre motivo de referência.
Entre os açorianos notáveis destaca-se Teófilo Braga (1843- 1924) o itinerário cultural e cívico que percorreu e abriu caminho em áreas fundamentais da história da literatura portuguesa e na formação e projeção do Partido Republicano. O seu trajeto encontra-se mencionado nas colunas do Diário dos Açores que salientou o legado cultural e a ação que desenvolveu, durante mais de meio século.
Completou-se a 28 de Janeiro – conforme tem sido amplamente divulgado – o centenário da morte de Teófilo Braga. Nasceu em Ponta Delgada a 24 de Fevereiro de 1843. Enquanto aluno do liceu principiou a atividade literária, em diversos jornais e revistas de São Miguel. Aprendeu, ainda, rudimentos gerais de tipografia que lhe serviram para ele próprio fazer a composição e edição do primeiro livro Folhas Verdes (1859) uma incursão no domínio da poesia que viria a aprofundar em mais dois outros livros Visão dos Tempos (1864) e Tempestades sonoras (1864) Contudo, a poesia que escreveu e publicou é irrelevante se a compararmos com a obra de contemporâneos, tais como João de Deus e Antero de Quental, para citar, apenas, dois exemplos incontestáveis.
Teófilo Braga dirigiu-se, aos 18 anos, para Coimbra. Tinha a ambição de ser professor da Universidade. Arrostando com os maiores sacrifícios, sem quaisquer apoios financeiros vivendo , apenas, de explicações e de traduções tirou, entre 1862 a 1867,o curso de Direito e com as mais elevadas classificações. Um ano depois, fez provas de doutoramento. A tese subordinou-se ao tema História do Direito Português – os Forais. Reconheceram-lhe os méritos. Contudo, foi preterido por um candidato que possuía relações privilegiadas.
Tentou, em seguida, lecionar Direito Comercial na Academia Politécnica do Porto. Voltou a ser rejeitado. Finalmente, Teófilo Braga concorreu, em 1872, a uma cátedra sobre Literaturas Modernas, no Curso Superior de Letras. Conseguiu, finalmente, vencer um concurso público muito renhido, no qual Pinheiro Chagas e Luciano Cordeiro, dois candidatos que tinham as maiores proteções.
Teófilo Braga radicou-se, a partir de então, definitivamente em Lisboa. Nunca atravessou a fronteira, nem voltou aos Açores. A sua vida, de extrema sobriedade, circunscreveu-se entre a casa de residência, na Estrela; o Curso Superior de Letras; e a Academia das Ciências da qual foi vice-presidente, o mais alto cargo, visto que o rei, estatutariamente, era o presidente.
Deslocava-se, ainda, para consultas documentais à Torre do Tombo que funcionava no Palácio de São Bento e à Biblioteca Nacional, instalada no antigo Convento de São Francisco, na área do Chiado. Pertenceu a uma tertúlia na rua do Arsenal, na livraria Carrilho Videira, que reunia e editava obras de republicanos. Andava a pé ou nos transportes públicos, mesmo quando era Presidente da República. Os caricaturistas retrataram-no com ironia. Joshua Benoliel fixou-o em dezenas de fotografias. Tornou-se uma figura típica de Lisboa .
A atividade literária, histórica, filosófica e política de Teófilo Braga motivou sucessivas controvérsias: Castilho atacou sua participação na Questão Coimbrã; Camilo, sob múltiplos pretextos, constituiu um dos seus mais acérrimos adversários; Antero dissecou com frontalidade as suas contradições literárias e filosóficas. Mas, entre os críticos mais severos e a propósito de um estudo acerca de Rodrigues Lobo, foi denunciado por Ricardo Jorge como plagiário.
Proclamada a República, foi escolhido para Chefe do Governo Provisório (5 de outubro de 1910 a 4 de setembro de 1911). Acompanhou a apresentação, o debate e a votação da legislação que estruturou o novo regime. A ditadura de Pimenta de Castro (28 de Janeiro de 1915 a 14 de Maio de 1915) que encerrou o parlamento, levou o Presidente da República Manuel de Arriaga (eleito a 24 de Agosto de 1911 e que permaneceu em funções até 26 de maio de 1915) a pedir a demissão, na sequência de uma da mais sangrentas e devastadoras revoluções. Perante esta grave crise que afetou a República, solicitaram a Teófilo Braga para ocupar o cargo. Era uma reserva moral e cívica.
Foi eleito em sessão do Congresso, a 29 de Maio de 1915, obtendo 98 votos a favor, contra 1 voto para Duarte Leite e três votos em branco. Durante quatro meses assegurou a chefia do Estado, em circunstâncias particularmente complexas, a nível nacional e internacional. A 5 de Agosto de 1915 a Europa encontrava-se em Guerra. Os efeitos do conflito provocaram impacto nas lutas partidárias, na subida dos preços dos géneros essenciais; na corrida aos bancos para levantar os depósitos.
A defesa dos territórios portugueses de África, em especial em Angola e em Moçambique, determinaram a expedição de contingentes do Exército e da Marinha, em face das ambições da Alemanha. A entrada de Portugal na Guerra, em solidariedade para com a Inglaterra, só se verificou a 7 de Agosto de 1916, intensificando a polémica, entre as forças militares e os principais partidos políticos.
Tal como João de Deus e Guerra Junqueiro, teve honras nacionais e ficou sepultado, no Panteão Nacional, ao tempo, nos Jerónimos. Em 1925, Alfredo Guisado, poeta do Orpheu, vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, inscreveu-o na toponímia. A rua onde residia, Travessa de Santa Gertrudes, ficou a chamar-se Rua Teófilo Braga. Também deu o nome ao Jardim da Parada, no centro do bairro de Campo de Ourique.
Pouco depois, a 16 de Outubro de 1926, inaugurava-se, no Jardim da Estrela, um monumento dedicado a Teófilo Braga, da autoria do escultor Teixeira Lopes. Em pleno salazarismo, o monumento desapareceu do Jardim da Estrela e foi enviado para Ponta Delgada, por ocasião do centenário do seu nascimento. Ficou junto ao Forte de São Brás, a curta distância da casa onde nasceu.
O legado cultural e a ação política que Teófilo Braga desenvolveu, apesar dos erros cometidos, abriu caminho em áreas fundamentais da história da literatura portuguesa e na formação e projeção do Partido Republicano. Contribuiu, decisivamente, para a mudança do regime e para a solução de algumas crises institucionais.

António Valdemar*

  • Jornalista, carteira profissional número UM; sócio efectivo
    da Academia das Ciências de Lisboa
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