Nota Histórica
No dia 5 de Fevereiro de 1870, via a luz do dia o primeiro número de um jornal que se pretendia quotidiano, de pequeno formato, impresso na Tipografia de Manuel Correia Botelho, na Rua do Provedor, nº6, que não se publicava à segunda-feira e custava dez réis cada número avulso. O seu fundador, Manuel Augusto Tavares de Resende (1849 – 1892), que dirigiu a sua publicação de 1870 até à data da sua morte, influenciado pelo lançamento, cinco anos antes, em Lisboa, do Diário de Notícias, pretendeu lançar, num meio caracterizado pelo analfabetismo, pela dificuldade de circulação de informação, pessoas e bens e pelas limitações das artes gráficas, um órgão de informação diário que levasse aos micaelenses a informação do mundo que chegava a São Miguel, mal a ela tivesse acesso. Destaca-se, por exemplo, as notícias acerca da guerra franco-prussiana que rebentou nesse ano de 1870.
A dificuldade em manter um jornal dessa periodicidade (até então os jornais existentes eram de tiragem quinzenal ou de feição política) não foi uma missão fácil não só em termos técnicos, mas também em termos de angariação de assinantes que acreditassem na obra de Tavares de Resende, pois muitos eram os que anunciavam uma morte rápida à sua iniciativa. De facto, as limitações das actividades económicas e humanas não favoreciam um grande número de anunciantes, o que prejudicava a manutenção e sustentação económica de um jornal com actividade diária. Para angariar assinaturas e para atrair a confiança dos leitores para o Diário dos Açores, o seu fundador oferecia brindes, em dinheiro, regulados pela lotaria. Através do estabelecimento de correspondentes ao longo da ilha de S. Miguel, do Arquipélago e até fora da região, através da distribuição de folhetins, da atribuição de brindes aos assinantes e de artigos de divulgação, Tavares de Resende deu forma ao seu projecto, um desejo de dar a esta ilha uma publicação diária, atenta aos problemas da terra, mas que operasse em moldes diferentes, mais modernos e dinâmicos. Pela inovação que trouxe à forma e conteúdo do jornalismo, que se fazia em finais do século XIX, o Diário dos Açores pode ser considerado como uma revolução na técnica e no espírito do jornalismo da época, trazendo nas suas linhas e periodicidade o gérmen de um novo estilo que libertaria a imprensa que se fazia na região dos moldes antiquados em que operava. Foi, sem dúvida, arauto de um pioneirismo, não totalmente desprovido de riscos. J. Silva Júnior descreveu do seguinte modo a fundação do Diário dos Açores: “Debuxado nas tonalidades líricas de La Belle Époque, o retrato de Tavares de Resende ressalta dum fundo de céu insular. Açores de asas abertas saem dentre velhas máquinas de impressão que tipógrafos zelosos pedalam no afã da nova “folha”. Por aqui e por ali, na superfície glauca do mar açoriano, enfunam-se as velas dos “navios da fruta”, rumo ao largo…”.
A acção de Manuel Augusto Tavares de Resende pode ser vista como uma sequência da acção de outros grandes vultos da chamada “geração de ouro” açoriana, onde se incluem, por exemplo, os irmãos Canto e a criação de instituições como a Sociedade Promotora da Agricultura (com o seu órgão de informação “O agricultor micaelense”), em 1843, ou a Sociedade dos Amigos das Letras e das Artes, em 1847. Através do Diário dos Açores chegaram a S. Miguel os escritos da “Geração de 70” e nele se desenvolveram e revelaram muitas das grandes personalidades da literatura e do jornalismo. Manuel Cabral de Melo escreveu no suplemento que comemorou os 100 anos de vida do jornal, em 1970: “Sentindo os anseios de então, Tavares de Resende, um jovem idealista de 21 anos apenas, autodidacta e espírito empreendedor, apetrecha uma tipografia e, no dia 5 de Fevereiro de 1870, faz circular na nossa cidade, o primeiro quotidiano do Arquipélago. Convicto de que o levantamento da terra e da Nação devia basear-se na educação do povo, definiu a sua iniciativa por “publicação noticiosa, de instrucção e de recreio. (…) Produto de uma forte vontade, o Diário dos Açores foi uma oferta e um testemunho do amor que Tavares de Resende sempre votou à sua e nossa terra, que ele tanto desejou ver engrandecida”. Em 1892, depois da morte de Tavares de Resende, sucede no comando do jornal o seu sobrinho, Manuel Resende Carreiro (? – 1939). Foi director do Diário dos Açores durante 47 anos, até morrer e deixar a direcção do jornal aos seus dois filhos, Manuel e Carlos Carreiro. Durante o quase meio século que dirigiu o jornal continuou a sentir as dificuldades resultantes da posição geográfica açoriana e da realidade social micaelense, mas, tal como seu tio, não desistiu e continuou, persistentemente, a publicação do quotidiano que já angariara um lugar no seio de muitas famílias.
Foi durante a sua direcção que se iniciou a publicação do suplemento infantil “Miau”, em 1934, que marcou a infância de muitas crianças. Através do “Miau” muitos iniciaram a leitura do Diário dos Açores, uma leitura que não mais parou. É assim que António Horácio Borges o recorda: “Não me lembro bem quando foi que comecei a apreciar o “Diário”. Sei que era criança. Trazia o “Miau” e a gente esperava ansiosamente pelo dia. Nasceu a afeição que ficou e se prolongou pelos anos, ampliando-se à maneira que o entendimento ia arrebitando. A ansiedade com que então aguardava o dia do “Miau” passou a ser de todos os dias. O “Diário” entrou no hábito da nossa vida. (…) A afeição do rapazinho de então que esperava com ansiedade o “Diário” por causa do “Miau” transformou-se em admiração. O gosto de ler o “Diário” todos os dias transformou-se em vício. Um vício bom, apetecido, que passa dos pais para os filhos”.
Durante a direcção de Manuel e Carlos Carreiro, o Diário assistiu a uma renovação técnica típica da época. O Diário dos Açores foi o primeiro jornal de S. Miguel a utilizar uma máquina de composição mecânica. Já em 1965 chegava a primeira máquina “Intertype” para as oficinas do jornal e, em 1970, tinha já duas dessas máquinas. Calhou, igualmente, aos irmãos Carreiro a honra de prepararem o número comemorativo das Bodas de Diamante, em 1945, que, segundo muitos, superou gráfica, jornalística e literariamente os melhores números especiais dos jornais metropolitanos. Hoje o Diário dos Açores, mantém, tal como em 1870, o espírito de inovação e dinâmica, mas respeitando, preservando e divulgando o seu passado, o que, em si, constitui, igualmente, um pioneirismo cultural. O jornal chama a si não só a função do presente que molda o futuro, mas igualmente a função do passado, muitos anos de cultura e de identidade açorianas, que molda o presente. A mensagem para o futuro pode ser resumida nas palavras que Basílio José Dias dirigiu ao jornal aquando do seu centenário: “Mas repara bem em ti, olha para trás e também para nós, repara nas obras de que foste cabouqueiro, construtor e arquitecto. Tens pergaminhos. Não os podes perder”.
Por: Cristina Moscatel