“Too much love will kill you if you can’t make up your mind
Torn between the lover and the love you leave behind”,
Queen
Vivo no coração de uns e de outros, sem nunca saber o que vão fazer comigo ou que rumo tomarei nas mãos deles. Namoro com muitos e com muitas, e nem precisa ser Dia dos Namorados! Não decido o fim da história que comigo escrevem, se o amor vai vencer, se o amor vai destruir, se alguém morre ou se alguém nasce. Sou um instrumento da imaginação de todos e de cada um e, por isso, sou feliz!
A monotonia não vive em mim e o meu dia-a-dia pode colorir-se de diversas cores, como o azul, preto, verde, vermelho, qual arco-íris literário!
Vivo, de facto, as emoções de todos, as épocas festivas, as dores e as alegrias. Há poucos dias fui Natal, depois Ano Novo, dali a nada Carnaval, depois Dia de Namorados e agora sou Quaresma! E o mundo vai nisso!
Quem quiser escrever sobre o que vive, comigo, passa por todas estas fases de forma tão rápida que até fico confusa. Se a minha vida é assim confusa, e não passo de um instrumento, que se pode dizer dos humanos, que têm a complicação do dia-a-dia na pele?
Ainda não adivinhaste o que sou eu? Sou a namorada da escrita, aquela que permite, no modo mais romântico e tradicional, expressar os pensamentos e sentimentos de cada um. Por isso, apaixono-me, sofro, revolto-me, testemunho tudo o que cada um vive e sei todos os segredos, confissões e pecados! Deus me livre se decorasse tudo!
Mas nós somos muitas, objetos iguais e diferentes entre si, que servem diferentes senhores, com diferentes propósitos. É que, comigo, podem escrever testamentos, cartas de amor, receitas médicas, listas de supermercado, tantas e tantas outras coisas.
Se já não estou ultrapassada? Estou, certamente, mas serei sempre utilizada, mesmo que menos; e isso porque, geralmente, antes de o escrevente chegar ao teclado fácil de manusear, passou por mim, tirou notas, trouxe a raiz do seu pensamento até às pontas dos seus dedos e transformou-me, por isso mesmo, na namorada da escrita.
Eu sou a namorada da escrita, aquela que para os amantes das letras está sempre nas suas malas ou bolsas, para eventuais rasgos de imaginação ou para práticas diárias e necessárias.
Poderia sentir-me triste por já não ser tão utilizada como antigamente, até os mais pequeninos se vêm obrigados a usar tablets e teclados nas aulas, mas não, não é esta a minha perspetiva!Percebo, claramente, que as pessoas mudam, que os destinos tomam os seus rumos e que a evolução traz destas coisas, claro!
Entendo que amar demasiado certa coisa ou certa pessoa, durante muito tempo, poderá ser prejudicial e tudo tem um peso e uma medida, mesmo na escrita!
Nunca serei esquecida, continuarei a figurar nas secretárias de todos os que escrevem, mas serei alternada com outro tipo de amor, outro tipo de utensílio para que os sentimentos fluam pela escrita.
O que sei, é que serei sempre a namorada da escrita, afinal é esta a função de uma caneta!
Patrícia Carreiro*
*Diretora da Livraria Letras Lavadas