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Poder incerto

José Manuel Bolieiro foi indigitado pelo Representante da República para formar governo. A notícia óbvia, devido à maioria relativa conquistada pela AD nas eleições de 4 de março, não merece qualquer contestação, nem causa surpresa. A surpresa adveio de líderes da oposição que criticaram Bolieiro de não os ter contatado, contrariando as juras de diálogo democrático com outros partidos parlamentares, visando assegurar a desejada estabilidade política e governativa.
Perante os resultados eleitorais, torna-se evidente que a AD, mesmo que o não reconheça publicamente, terá de lançar a corda ao Chega para salvar-se de uma permanente instabilidade. Não me admira, pois, que não vingando a pretensão de uma vice-presidência parlamentar, outro cargo no sistema autonómico lhe seja concedido. É preço de quem visa manter-se no poder.
Cientes disso, José Pacheco/Ventura conseguirão alguns dos seus intentos, sem desistirem de reivindicar em próximo orçamento medidas que satisfaçam o insustentável e perigoso social-populismo que pretende destruir os fundamentos da democracia liberal e do estado social.
Quando em 2020 Bolieiro integrou o Chega como parceiro da maioria absoluta, muitas interrogações se levantaram, mesmo na direita parlamentar. O IL, estabelecendo acordo direto com o líder do PSD quis delimitar-se da linha vermelha do Chega para além da qual o sistema democrático corre perigo.
Contrariando a atitude do PSD-Açores várias figuras nacionais do partido vieram a público demarcar-se da decisão, chamando a atenção para os perigos que isso representava.
Já em 2016, José Pacheco Pereira na sua conceituada análise política afirmava1 que o “Chega para a “luta de classes”, tem aliados poderosos na “Europa”, mas nada tem a dar ao país que não seja servir os poderosos e punir os fracos e institucionalizar, com as fórmulas dos think tanks mais reaccionários, uma ideia de “liberalismo” que envergonharia Adam Smith. Não gostam da liberdade, gostam da autoridade e do poder.”
Assim não entenderam os dirigentes açorianos do PSD. Será que Pacheco Pereira sobre eles faria também este juízo?: “é difícil reconhecer qualquer identidade social-democrata, mas sim uma mescla de gente da Maçonaria, jovens de uma direita radical feita nos blogues e redes sociais muito ignorante e agressiva, que, como já o escrevi, acha que o Papa é do MRPP…” Não o afirmo.
O certo é que, desde 2020, avolumou-se a instabilidade dentro do governo e na coligação, de tal sorte que Mota Amaral viu-se forçado a vir a público reclamar mais autoridade na Presidência de Bolieiro. O apelo foi ouvido, mas os parceiros da maioria não recuaram e as propostas de Plano e Orçamento para 2024 não receberam o voto favorável e o governo caiu.
Agora, não vale a pena proclamar aos quatro ventos que “o não, é não”. O mal está feito. O PSD de Bolieiro, ontem certamente aconselhado por antigos dirigentes, vê-se, novamente, nos braços de Ventura e de Pacheco. Por quanto tempo?
Há, no entanto, outras condicionantes que desgastaram o bom funcionamento do Executivo e que, claramente foram referidas na noite eleitoral. A mais importante foi a menção, a despropósito, à ilha de São Miguel, quando referiu a necessidade de “coesão com as nove ilhas” e o “desenvolvimento coeso em toda a Região”.
Diga-se a propósito que nunca foi bem explicado por que razão a Vice-Presidência abarcou competências tão dispares como a gestão do Aeroporto das Lajes, o setor da habitação, da solidariedade e dos assuntos sociais. As questões relativas à utilização da Base das Lajes pelos norte-americanos, deveriam ter estado na alçada da Subsecretaria da Presidência, enquanto a Secretaria dos Turismo, Mobilidade e Infraestruturas ficou responsável pela gestão dos restantes aeroportos da Região e da companhia aérea regional. Não faz sentido.
Recentemente, Artur Lima anunciou que o plano de combate à pobreza desenvolvido pela Universidade de Coimbra, iria ser apresentado após a tomada de posse do executivo, sinal de que o líder do CDS irá manter as mesmas competências. Será? Ou Bolieiro, para conseguir uma legislatura sem sobressaltos, irá submeter-se às “imposições” dos dois parceiros minoritários (CDS e PPM) com pretensos equilíbrios que não traduzem nem a dimensão de círculos eleitorais, nem votos e só afetam a credibilidade do poder executivo nas respostas às populações das periferias insulares?
Neste início de uma nova legislatura o que os açorianos aguardam do novo executivo é uma nova visão sobre o nosso futuro, face à instabilidade e às constantes mutações que ocorrem na Europa e no mundo.
Os permanentes conflitos tomam proporções à escala global de consequências imprevisíveis seja no âmbito sócio-económico seja no domínio ambiental e planetário.
Ouve-se dizer que os tempos que aí vêm não serão fáceis e afetarão a vida de todos nós. Todavia, raros são os nossos políticos, comentadores, académicos e investigadores que apontam caminhos e soluções para que, quando essas situações emergiem estejamos preparados para as enfrentar.
Governar é sobretudo isso: Preparar o futuro, tendo a noção dos meios humanos e financeiros que se deve dispor para fazer frente ao devir. Em todas as áreas: económica, social, ambiental, cultural e até militar. Sobre a segurança não estamos demasiado otimistas de que, na vastidão do Atlântico, estamos protegidos pelo escudo poderoso dos EUA e da NATO, quando tal pode não acontecer se a Presidência americana voltar ao populismo nacionalista e trumpista?
Oxalá me engane, mas há que ter a noção de que os Açores são hoje mais vulneráveis com o eclodir da invasão russa da Polónia e da guerra no Médio Oriente.
São Imensos e intrincados os temas para os deputados eleitos e o próximo governo colocar na sua agenda, na certeza de que neste mundo globalizado nada do que se passe de oriente a ocidente nos é indiferente.
Saibam os eleitos e dirigentes ser responsáveis pela missão que o povo lhes confiou!

1 http://abrupto.blogspot.com/

José Gabriel Ávila*

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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