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Uma Páscoa que faça sentido

Não é o tempo que nos trai. São as nossas escolhas que nos fazem pensar que tudo é hoje mais rápido do que antes.
Na verdade, tenho memória de uma Semana Santa muito longa. Havia silêncio e jejum, longas cerimónias religiosas com via sacra, estação a estação, leituras monocórdicas que nos faziam sentir uma enorme responsabilidade pela morte de Jesus. Passei por essas vivências durante muitos anos, sem refilar, porque não era permitido discordar dos pais e das catequistas. Foi o que foi. Sem ressentimento nem crítica, foi um tempo de aprendizagem de muitas atitudes de vida que hoje me fazem falta. Uma delas, a concentração e a ausência de estímulos artificiais.
Vivemos o tempo da hiperatividade. Um diagnóstico desconhecido nesse tempo da via sacra.
Este é tempo da pressa, da competitividade, da televisão acesa todo o dia, do excesso de açúcar, do excesso de presentes,do excesso de festas, do excesso de estimulos, do excesso de poder dado às crianças. E a sociedade reconhece isso. É por isso que, da mesma forma que dá os estímulos, dá aulas de mindfulness, ioga, ensina a meditar e coloca as crianças no psicólogo.
É por isso que o tempo passa depressa… Ontem eram mensagens de Feliz Natal e, parece que de um salto, chegamos á Páscoa. E neste frenesim, chegou a primavera, muda a hora, mudam as montras, muda-se o estilo. E os pequenos recebem as notas e já só falta um período, planeiam -se as férias, este ano quinze dias com o pai e o resto com a mãe, vai-se á vacina, faz-se o check-up, vamos a S. Miguel fazer a TAC, cancelamos três dias, as batatas já estão na terra, trocamos sementes com as vizinhas, a Sata muda a horário, já temos voos diretos, as hortênsias na Fazenda já querem despontar, os restaurantes já vão abrir e é preciso arranjar apartamento para o pequeno que vai para a universidade em setembro porque não se pode deixar para a ultima hora.
Vão morrendo amigos e conhecidos. Quase nem temos tempo de sentir dor. Naquele dia, toda a gente afirma com likes e comentários que nada será como dantes, mas no dia seguinte morre outro e outro e outro e a vida é assim mesmo. Mortos com mortos, vivos com vivos, temos que ir em frente. Não há mais luto nem saudade. Não há luto de nada a não ser da morte do cachorro ou do atropelamento do gato, os únicos cuja fidelidade parece indesmentível.
Os políticos mudam, mudam governos porque somos nós que mandamos. O poder é dos eleitores. E a comunicação social comenta, publica, faz mesas redondas, entrevistas e pareceres, anda tudo numa roda viva a falar de democracia, a bater uns nos outros com a intervenção ofensiva, o discurso do auto elogio, do partido perfeito, das opções mais corretas. E a gente vê, e ouve, e discute e critica e pensa que faz legislação democrática e correta na mesa do café, no restaurante, na sede da minha equipa de futebol, no consultório do meu médico, na minha cabeleireira, no meu terapeuta, na minha massagista, na minha aula de ioga. É tudo meu, porque eu sou democrata, sei tudo, conheço o secretário, sei tudo sobre a vida privada dos políticos, vejo notícias, tenho WatsApp e Facebook, vejo tudo no Instagram e tenho os pequenos na escola, no ATL e em tudo o que é atividade extra curricular. Mas no trabalho sabe-se tudo. E se me chatearem muito, faço uma denúncia anónima e chateio meia dúzia de pessoas que acham que são mais do que os outros. Ou então meto baixa e fico um mês sem dar cavaco a ninguém. Tenho direitos e graças a Deus vivemos em democracia. Não me vou rebaixar a pedir nada a ninguém. E tenham juizinho porque só voto em quem não me chateia. E mais nada.
Rotinas deste tempo. Destas festas que chegam num instante.
Já mostramos os folares lindos com a receita das avós num reel do Instagram. Agora é mandar coelhos de chocolate às amigas ou um sentido aleluia que se retira do YouTube num ai.
A vida atual é tão fácil, tão copy/paste, tão animada.
Estamos no caminho. Não sei onde começou nem onde acaba esta caminhada. Mas sei que vai acabar.
Entre a via sacra da minha infância e a loucura desta modernidade, vou seguir pelo meio á procura de um lugar onde eu sinta a chegada da primavera porque uma abelha pousou numa flor e ficou ali, parada, a sugar o néctar como se estivesse atenta num beijo.
Mas agora, e enquanto não encontro a flor, desejo a cada um daqueles que tiver a paciência de me ler, uma Páscoa que faça sentido, de acordo com a crença de cada um.

Gabriela Silva

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