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Flores Turismo 2013 Parte 6 (I)

“Como costumo dizer, sou infiel ao arquipélago. De cada vez que conheço outra ilha apetece-me deixar ficar tudo e viver nela.”

Acordei como habitualmente pelas 07:15 e aguardei o aparecimento do astro-rei. Este Hotel subestima o nascer do sol e devia fazer dele um cartão-de-visita. Tal como nos outros dias, sou o único hóspede a pé a estas horas e a ver o sol nascer. Este sentimento de partilhar com ele um novo dia com esta vista do Atlântico Norte sobre a Ilha do Corvo cria um estado de espírito revigorado, dando alento para enfrentar as agruras quotidianas, sendo para mim a maior, esta noção de imponderabilidade terrena balançada com a certeza de ter de deixar a ilha ainda hoje.
Como costumo dizer, sou infiel ao arquipélago. De cada vez que conheço outra ilha apetece-me deixar ficar tudo e viver nela. Admito que o rochedo do Corvo é demasiado pequeno e inóspito para ali ficar a viver, mas… nas Flores (um pouco maiores do que Santa Maria) não sinto a claustrofobia das ilhas pequenas. O acidentado terreno, a variedade geomórfica e o sentimento de inspiração criativa fazem dela uma ilha onde poderia viver tal como vivo na Lomba da Maia. Há uma atração telúrica aliada à companhia permanente do Corvo nesta metade oriental da ilha. A outra metade virada ao continente norte-americano já não tem a mesma atração. Sei que vou deixar estas duas ilhas, mas farei como todos os açorianos: levarei um pouco delas comigo, farão parte da minha bagagem como Santa Maria em 2006, Faial e Pico a partir de 2007, S Jorge após 2008. Em todas me revejo um pouco, em todas me sinto em casa o que explica as 25 páginas manuscritas em apenas 4 dias.
Sou, de facto, um ilhéu e apesar de a pátria estar distante em Sidney e da mátria ser em Bragança de montes e neves, sei que – desde há muito – a minha vida é indissociável destas 7 ilhas (falta-me agora apenas a Graciosa e a Terceira) que conheço e adotei como se fossem minhas desde a memória inicial dos tempos. Afinal não é preciso nascer-se nos Açores para se ser açoriano. São Miguel começa a ter os mesmos problemas do Continente português, enquanto as ilhas mais pequenas, embora com menos serviços públicos, menos gente e menos valias culturais, continuam a ser pequenos paraísos por descobrir, onde, por vezes, se sente que o tempo parou, mas onde ainda é possível coexistir com os nativos e partilhar as suas belezas. Aqui, ainda se tem a sensação de estar tão longe do mundo e dos seus problemas que a vida em paz parece ainda possível, e nesta idade, viver em paz é um bem demasiado precioso para se desperdiçar.
No fundo, em São Miguel, na Lomba da Maia, vivo recluso no meu “castelo” mantendo uma política de boa vizinhança com os que me rodeiam, sem que interfiram na minha vida ou eu na deles… esse equilíbrio seria possível nestas ilhas ou noutras (à exceção do Corvo com os seus quase 400 habitantes. A Lomba tem 1200 votantes). Sinto, por vezes, a falta da família e amigos, dos quais gostava de receber mais visitas e mais frequentes, em vez de ser eu a arcar com as despesas todas dos reencontros. Há a necessidade de falar, trocar ideias e impressões com outros seres vivos que partilham de alguma da minha inquietude perante o mundo, mas a tranquilidade modorrenta desta minha vida de expatriado australiano vale bem a pena, enquanto puder ser compensada duas vezes ao ano com os Colóquios da Lusofonia, que sonho trazer às Ilhas do Triângulo e às Flores. Terei de inventar meios de sair das ilhas mais vezes, sem nunca as deixar para trás. Afinal, para mim, elas são Ilhas-Filhas, que trago a reboque, colar multifacetado de vivências que constituem já a essência do meu ser.
Espero que esta vinda às Flores e Corvo sirva de retemperadora inspiração para mais um inverno cinzento e molhado que deprime e anquilosa a mente e o corpo e, por isso, irei fazer com que esta experiência enriquecedora perdure, dando-me forças e alento para um novo ano. Não me queixo, pois, a vida tem-me proporcionado vivências inolvidáveis e variadas em todos os cantos do mundo, ao contrário de muitos que nascem e morrem confinados à pequenez das suas mentes e dos locais onde vivem. Tal como este mar rico em abundante peixe, espero que a vida me continue a proporcionar a facilidade de pescar novas experiências em mares para mim desconhecidos. O oceano pontilhado de pequenos pontos, barcos de lazer, de turismo e de pesca, e de repente, ainda sem ruído avisto a sombra, curvando-se nos céus entre o Corvo e as Flores, do pequeno avião que nos há de transportar mais logo. Entrou pelo norte da ilha permitindo mais uma sessão fotográfica diferente. Sei que a ilha tem condições adversas no inverno, mas esta semana de verão foi divinal, com um mar chão que mais se assemelhava a um lago imenso, tornando estas ilhas ainda mais apetecíveis. Este silêncio quase absoluto entrecortado pelo sussurrar do mar sem ondas é revigorante. As borboletas, os zangãos, as pequenas aves saltitando entre os rochedos são uma noção de equilíbrio que parece ancestral, mal se notando a presença humana das 3800 almas que aqui vivem espalhadas pelas duas vilas, aldeias e fajãs onde a pesca e a agricultura continuam a ser o quotidiano das pessoas, como sempre foram desde que há cinco séculos aqui arribaram.
As Lajes (das Flores) têm 70 km2 e 1502 habitantes divididos por sete freguesias, enquanto Santa Cruz tem 72 km2 e 2493 pessoas em 4 freguesias. Distam 283 km de São Miguel, 336 de Santa Maria, 192 km da Terceira, 150 km da Graciosa, 144 km de S. Jorge, 135 km do Pico e 13 do Corvo.
Deve ser uma santa vida ser controlador de voo nas Flores e no Corvo, sem o stresse de outros locais e idêntico vencimento. É o trabalho do lá vem um…avião. Ser da PSP ou da GNR aqui também deve ser uma profissão pacata sem se terem de preocupar com a caça à multa, assaltos, roubos e demais crimes. Não avistamos um só agente nestes dias, e estivemos sentados mais de meia hora num café na praça em frente ao quartel. Houve só a aparição daquele Polícia Marítimo a chamar-me a atenção por estar parado à porta da Farmácia em contramão. Mas o que gostava era mesmo ser controlador de voo.

Continua

Chrys Chrystello*

*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

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