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Quem defende a Ermida da Santíssima Trindade?

“A Ermida da Trindade, tão pequena quanto graciosa, é tão só um dos mais antigos templos desta cidade. Já Gaspar Frutuoso (1522-1591) faz referência a esse edifício religioso na sua célebre e monumental obra principalmente de registo histórico “Saudades da Terra”, sabendo-se que houve outrora um recolhimento feminino contíguo, que acabou demolido por estar muito degradado.”

Sei bem que é tempo perdido vir defender a Ermida da Santíssima Trindade, também conhecida apenas por Ermida da Trindade, porque quem tem a obrigação institucional de o fazer, pelos vistos, não se preocupa com essa relíquia arquitectónica e religiosa existente em Ponta Delgada. É pena! É pena, repito!
A Ermida da Trindade, tão pequena quanto graciosa, é tão só um dos mais antigos templos desta cidade. Já Gaspar Frutuoso (1522-1591) faz referência a esse edifício religioso na sua célebre e monumental obra principalmente de registo histórico “Saudades da Terra”, sabendo-se que houve outrora um recolhimento feminino contíguo, que acabou demolido por estar muito degradado.
Essa Ermida serviu e passou por vários proprietários, acabando na posse de um dos ramos da ilustre e abastada família Andrade Albuquerque de Bettencourt, que possuía ao lado um belo solar. No único altar da Ermida existia um quadro a óleo representando precisamente a Santíssima Trindade.
Quando na década de 1960 a Câmara Municipal de Ponta Delgada quis prolongar e alargar a Rua, hoje Avenida, Conselheiro Luís de Bettencourt, solicitou à família Andrade Albuquerque de Bettencourt a demolição da Ermida da Trindade. Os proprietários, numa boa ação, tomaram a opção de a desmontar e reerguer na zona do Beco do Jardim António Borges, também conhecido como Lombinha dos Cães, por aí possuírem terrenos, que herdaram, por vínculos familiares, de António Borges da Câmara de Medeiros (1812-1879), o criador do magnífico jardim existente nas proximidades. Os empenhados pedreiros que demoliram e reconstruíram – pedra por pedra – a Ermida da Trindade realizaram esses trabalhos com grande esmero, eu diria até com grande amor, que importa realçar neste momento. O exemplo que deram merece também respeito, muito respeito mesmo.
António Borges, como era mais conhecido, casou com a sua prima Maria das Mercês de Andrade Albuquerque de Bettencourt, que estava viúva e tinha um filho. O casal António Borges e Maria das Mercês não teve filhos, pelo que os bens de António Borges foram herdados, na sua maioria, pelo enteado e primo, Caetano de Andrade Albuquerque de Bettencourt, proprietário do belo solar que existia na Rua Caetano de Andrade e ao qual estava anexada a Ermida da Trindade, como já assinalei. A Rua Caetano de Andrade e a hoje Avenida Conselheiro Luís de Bettencourt confluem, como sabem.
A grande casa – agora muito arruinada – onde viveu António Borges ainda está no lado oposto à Ermida da Trindade, na referida zona do Beco do Jardim António Borges. Nessa casa ele, como homem culto e de bom gosto, possuiu uma magnífica coleção de obras de arte das mais diversas. Mais tarde a Diocese de Angra – na prática, Diocese dos Açores – tomou de renda durante vários anos essa casa, antes de ser construído o Seminário de Ponta Delgada, agora transformado em hotel. Nos últimos anos roubaram dessa casa excelentes madeiras, belas pedras basálticas trabalhadas por talentosos canteiros e outros elementos muito valiosos. Têm acontecido situações completamente absurdas e nefastas nesta cidade, tanto furtos como outros problemas contrários ao bem-estar da sociedade, que comprovam a necessidade imperiosa de maior segurança pública.
Em várias gerações houve também vários Caetanos de Andrade Albuquerque de Bettencourt. O último, grande proprietário rural principalmente na zona das Sete Cidades, fruto de importantes heranças, não deixou descendência, pelo que os seus bens foram parar à família Pequito Rebelo, do Continente, por a sua esposa ser dessa distinta linhagem. Foram, pois, os Pequito Rebelo que venderam o solar na Rua Caetano de Andrade, agora transformado numa estrutura residencial de luxo mantendo-se a fachada, e os espaços herdados nas proximidades do Jardim António Borges, incluindo a Ermida da Trindade, cujo interior também foi roubado e destruído por vândalos. Desconheço se conseguiram proteger o quadro a óleo representando a Santíssima Trindade que lá existia, como também já disse.
Surgiu, entretanto, a informação de que vai ser construído muito junto – quase encostado – à Ermida da Trindade um enorme edifício residencial de luxo. A vontade talvez fosse acabar de vez com a Ermida da Trindade. Disfarçaram, mas fica claro com esse projeto que o vetusto e pequeno templo atrapalha interesses imobiliários. Se tivessem mais sensibilidade, a Ermida da Trindade poderia valorizar o conjunto habitacional que vai ser construído, reservando-lhe maior espaço em redor e conferindo-lhe a dignidade arquitectónica que merece. Lamento toda esta situação! Parem de estragar a cidade de Ponta Delgada! É demais!
O que têm a dizer sobre essa triste situação as duas personalidades que se assumem como historiadores que estão ao serviço da Câmara Municipal de Ponta Delgada? São consultados ou não? Os seus eventuais pareceres não são tidos em conta? O presidente da Câmara Municipal considera que aquela relíquia arquitectónica e religiosa pode ser menosprezada em nome do betão que invade cada vez mais a cidade? E a Secretaria Regional da Cultura não tem nada a dizer e a fazer? Por amor de Deus!
Ainda estão a tempo de alterar o projeto em causa para que seja garantido maior espaço em redor da Ermida, principalmente no lado nascente. De resto, parece-me que quando escavarem o terreno para as fundações do novo edifício e para a cave que vai existir a Ermida poderá não suportar todas essas grandes operações e movimentações no solo e subsolo mesmo ao lado. E depois dirão talvez que a Ermida já estava muito velha e que não aguentou. E então era uma vez a Ermida da Santíssima Trindade…Nada que já não se tenha visto de semelhante em outros casos neste país, onde o património é quase sempre muito maltratado.
Não posso deixar de referir ainda que no terreno onde vai ser construído o enorme edifício residencial em causa, de resto desenquadrado naquele local, existia como que um prolongamento do Jardim António Borges, com várias árvores centenárias, igualmente plantadas por ele. Existia também um miradouro muito bonito com escadaria igualmente muito bonita, tudo em pedra basáltica trabalhada. Existiam ainda outras estruturas muito antigas. Tudo isso foi destruído e arrasado há uns anos, ao que tudo indica, com autorização e conhecimento da Câmara Municipal de Ponta Delgada. Limitaram-se a transferir duas ou três palmeiras centenárias penso que para a Ribeira Grande. Desconheço se sobreviveram. Já havia, pois, objetivos imobiliários para aquele terreno. Claro!
Já se estragou e demoliu muito edifício valioso nesta cidade, que há poucos dias comemorou 478 anos. Com um pouco de boa-vontade do promotor imobiliário, do construtor e da Câmara Municipal de Ponta Delgada a Ermida da Trindade pode ser devidamente protegida, recuperada e restituída à dignidade que tanto merece, mesmo que não volte a haver actos de culto. Estamos perante uma jóia arquitectónica e religiosa, realço mais uma vez. Aqui fica o apelo. Mas o mais certo é não quererem saber. É desolador, muito mesmo! Tal como já aconteceu na Calheta de Pêro de Teive e em outras situações também na ilha de São Miguel, mais uma vez o dinheiro a impor-se e a mandar, contra os valores mais genuínos da nossa terra, perante a permissividade de autoridades locais e regionais. Ponham uma coisa na vossa cabeça: isso não é progresso. O que se conclui é que havendo muito dinheiro a correr para vários lados a fúria destruidora é imparável. Basta, basta e basta!!!
Por último, uma pequena ressalva: que me perdoem se algum elemento histórico acima mencionado não estiver inteiramente correto, mas não sou nem historiador nem genealogista. Fiz o melhor que podia e sabia. Vale, pois, a intenção de pretender um futuro digno e justo para a linda Ermida da Santíssima Trindade, que está em risco, não tenham dúvidas.

Tomás Quental Mota Vieira

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