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Quem é o meu próximo?

A cinco dias do cinquentenário do 25 de Abril, não posso deixar de recordar a data que instaurou a Liberdade e a Democracia em Portugal.
Sei que quem evoca esta efeméride e os méritos dela resultantes, não é visto com bons olhos por alguns cidadãos. Essas suspeições remetem, normalmente, para a rotulagem de ideologias políticas já rejeitadas pela maioria do povo.
Para quem mantém ainda esses preconceitos seria melhor que se libertasse deles, integrando-se no processo democrático e na participação cívica que promove os direitos humanos universais, a solidariedade e o desenvolvimento.
Num artigo publicado no sítio 7margens, Pedro Vaz Patto (PVP), presidente da Comissão Nacional “Justiça e Paz”, da Igreja Católica, cita um livro do filósofo francês Jacques Maritain, sob o título “Cristianismo e Democracia”, escrito pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial, onde o afamado pensador afirma que a democracia «surgiu na história humana como manifestação temporal da inspiração evangélica».
Quer isto dizer, prossegue PVP, que “o cristianismo anunciou aos povos a unidade do género humano, a igualdade da natureza de todos as pessoas, filhas do mesmo Deus e reunidas pelo mesmo Cristo, a dignidade de cada alma criada à imagem e semelhança de Deus, a dignidade do trabalho e dos pobres, a inviolabilidade das consciências, a autoridade como serviço, a lei do amor fraterno que se estende a todos, para além dos diferentes grupos sociais, classes, raças, nações e até aos inimigos.”
“O primeiro documento do magistério da Igreja Católica” onde se manifesta uma clara adesão aos princípios do regime democrático é de Pio XII, na sua mensagem de Natal de1944, acrescenta PVP.
O Papa Leão XIII na Encíclica “Rerum Novarum” (1891) e Pio XI, na Quadragesimo Anno(QA) (1931) já antes apresentaram o pensamento da Igreja sobre as questões sociais resultantes das transformações económicas e políticas do século 19: os problemas do operariado, da propriedade privada, do liberalismo, da liberdade de associação e da justiça social.
Quarenta anos depois, Pio XI entendeu responder na QA a novos temas e problemas, entre eles: a luta de classes, a degradação das condições de vida dos trabalhadores, o socialismo, o capitalismo liberal, a distribuição da riqueza. Foi criada então a Ação Católica – organismo destinado a envolver os leigos de todos os estratos sociais nas respostas à problemática social.
Ainda está por fazer um estudo analítico sobre as consequências práticas da Encíclica de Pio XI no processo pastoral da Igreja portuguesa e na Diocese de Angra.
Houve sacerdotes açorianos, entre os quais os Padres Artur Paiva e Almeida Maia, de Ponta Delgada e o Pe José V. Alvernaz, de Angra que se deslocaram à Bélgica para tomar contato com o Movimento Operário Católico e a JOC, fundada por Monsenhor Cardijn. Outros fizeram-no também enquanto alunos de Ciências sociais e teológicas em universidades do centro da Europa.
Muito raramente, porém, a pregação versava as questões sociais.
Isso só aconteceu quando o Papa João XXIII, antes da convocação do Concílio do Vaticano II, publicou a “Mater et Magistra, sobre a evolução da questão social à luz da Doutrina Cristã (1961)” e a “Pacem in Terris (1963), sobre a paz de todos os povos na base da verdade, justiça, caridade e liberdade”.
Os tempos, em Portugal, iam conturbados. Vivia-se em ditadura, as liberdades cívicas estavam proibidas e o país confrontava-se militarmente com movimentos de libertação nas ex-colónias. Era perigoso divulgar a doutrina social da Igreja, proclamar os direitos humanos e defender a justiça social, sobretudo quando povos inteiros viviam subjugados. O clero ou não estava preparado para anunciar, divulgar e refletir sobre os temas sociais ou tinha receio de correr riscos. A Igreja era uma forte aliada das estruturas do poder.
Só assim se entende o silêncio em torno da divulgação das encíclicas, nomeadamente da “Populorum Progressio” (O Progresso dos Povos), de Paulo VI, do seu discurso aquando da sua visita a Fátima em 1967 e a mobilização nacional e internacional em favor da independência das ex-colónias.
Ao contrário do que sucedeu noutros países europeus e latino-americanos, onde as discussões conciliares provocaram um enorme interesse da sociedade em geral, nomeadamente sobre o chamado Esquema XIII, depois transformado em Constituição Conciliar sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo- “Gaudium et Spes”, em Portugal a imprensa silenciava o acontecimento. A informação que chegava provinha de correspondentes da imprensa francesa e espanhola, nomeadamete Henry Fesquet, jornalista do “Le Monde” e J.L.Martin Descalzo, cujas crónicas reuniu no livro “Un periodista en el Concilio1963-1966”. Alguns temas controversos eram apresentados por teólogos e peritos conciliares na revista “Concilium”, a que muito poucos tinham acesso, mas o ensino da Teologia ministrado no Seminário seguia as normas tridentinas, ou seja, a Teologia apologética e a Moral casuística. Quem ousasse novas práticas pastorais e litúrgicas e pregar novos conceitos teológicos, bíblicos e morais, era afastado do ensino eclesiástico e de paróquias que procuravam corresponder ao novo Espírito Conciliar.
Durante décadas essa prática anti-sinodal, dir-se-ia hoje, fez com que a Igreja se afastasse das “alegrias, das esperanças, das tristezas e das angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem”(GS nº1).
Pese embora os papas terem continuado, ao longo de décadas, a expressar o seu pensamento sobre a problemática social, não há a conveniente divulgação nem catequese concertada sobre esses documentos.
Na “Octogesima Aveniens”(1971) Paulo VI afirmava que a “actividade económica pode ser fonte de fraternidade (…) de reconhecimento de direitos, de serviços que se prestam e da afirmação da dignidade do trabalho(46).”
Na Encíclica “Evangelii Nuntiandi” o mesmo Papa declara que a vocação específica dos leigos é “o mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos “mass media”(70).
Tantos e fortes apelos deveriam ter sido levados em conta pela hierarquia, mobilizando o laicado e as comunidades em geral a repensar questões e ações conducentes à pratica dos direitos humanos, a um efetivo empenho na libertação dos oprimidos, na justiça social, na solidariedade para com as periferias da sociedade, envolvendo regimes políticos na defesa do bem-comum.
Outro exemplo do que afirmo foi o “silenciamento” da encíclica “Laborem Exercens, sobre o trabalho humano”(1981), de João Paulo II, onde se fala do “erro do economicismo”, do sindicalismo (“expoente da luta pela justiça social, pelos justos direitos dos trabalhadores (20)” da justa remuneração, do trabalho agrícola etc. Nessa altura, a problemática social agudizava-se com a adoção das teorias neoliberais em diversos estados e na própria comunidade Económica Europeia. O capital e o lucro suplantaram o trabalho humano e o justo salário, a família foi desvalorizada em benefício da “cultura da empresa”, os trabalhadores passaram a ser designados por colaboradores, a pessoa humana transformou-se em mero consumidor no elo da produção e distribuição.
Ciente da falta de catequese e de reflexão sobre os direitos humanos fundamentais, a ecologia e o ambiente, o Papa Francisco publicou, em 2021, a “Fratelli Tutti- Todos irmãos”.
Há semanas o Vaticano, perante a tragédia das guerras, o êxodo de imigrantes e a outras formas de violência, insistiu no tema com novo documento intitulado “Dignitas infinita-dignidade infinita da pessoa humana”.
Estes documentos, nomeadamente os mais recentes, merecem um estudo e explicação dos proclamadores da Palavra, uma análise dos leigos e homens de boa vontade e um compromisso ativo da comunidade indo de encontro à questão pertinente: “quem é o meu próximo?” e que necessidades tem.
Este é o tema do encontro que se realiza hoje em Ponta Delgada, promovido pelo Secretariado Diocesano para a Pastora Social.

José Gabriel Ávila*
*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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