Há coisas que eu não compreendo e certamente muitas mais pessoas também não. Vamos a factos – repito, factos – quanto ao Hospital do Divino Espírito Santo (HDES), em Ponta Delgada, atingido por um violento incêndio, ficando impossibilitado de funcionar até serem reparados os elevados prejuízos em instalações e equipamentos. Por pouco não houve uma grande tragédia.
No dia 12 de Setembro de 2023, o presidente do Governo Regional, dr. José Manuel Bolieiro, numa visita oficial ao HDES, prometeu uma “redobrada atenção” quanto à “requalificação e manutenção” do maior hospital dos Açores, criticando a “degradação” da infraestrutura. Foi o que a comunicação social noticiou. Não estou a inventar.
Apesar de reconhecer a “degradação” do edifício, que o incêndio pelos vistos veio confirmar pela dimensão verificada, o presidente do Governo Regional anunciou então um investimento de apenas – repito, apenas – quatro milhões de euros em várias obras no HDES. Alguém pode concordar com tão limitado investimento para tão grande edifício?
É que ainda por cima os míseros quatro milhões de euros não foram para tentar inverter e corrigir a “degradação” do edifício, que é o que está aqui em causa. A verba anunciada visou “potenciar a capacidade de resposta” do HDES “naquilo que é essencial”, nomeadamente nas cirurgias, consultas, exames ambulatórios e hemodiálise, conforme foi também noticiado. É óbvio que não se contesta a positiva intenção de “potenciar a capacidade de resposta” do HDES, mas é inadmissível não resolver o estado de “degradação” estrutural do edifício ou em grande parte do mesmo.
Na referida visita oficial ao HDES, o dr. José Manuel Bolieiro disse igualmente o seguinte: “Quero sinalizar a valorização que, no quadro do Serviço Regional de Saúde, damos ao HDES. É essencial. É incompreensível um abandono e uma degradação do mesmo, apesar de ter sido um edifício novo, construído há pouco mais de duas décadas”.
Quando falou em “abandono e degradação” no HDES, o líder regional açoriano pretendeu, como todos compreendem, criticar o anterior ou anteriores Governos Regionais do PS, por não terem dado a devida atenção à manutenção de tão importante quanto necessária unidade de Saúde Pública. E aqui teve razão, não se pode dizer o contrário. Mas o que fizeram o primeiro e o segundo Governos Regionais da coligação PSD-CDS-PPM para resolver o estado de “degradação” do HDES? É uma questão muito pertinente.
É preciso realçar que o Hospital do Divino Espírito Santo é o maior dos Açores tanto na sua dimensão como nas suas valências clínicas e atende doentes da ilha de São Miguel e das outras ilhas do arquipélago. É, portanto, uma unidade de Saúde Pública essencial para todos os residentes nas nove parcelas açorianas. Mas está numa situação de “degradação”, agora muito aumentada em resultado do incêndio, claro.
Uma das situações piores e mais lamentáveis que acontecem na política é virem uns e depois virem outros e muitos dos grandes problemas continuarem por resolver. E não venham com desculpas, porque numa matéria destas, de Saúde Pública, que devia ser a prioridade das prioridades, não são aceitáveis quaisquer argumentos para tentar justificar o injustificável, de modo algum. O HDES chegou ao ponto a que chegou de “degradação” por evidente negligência dos Governos Regionais liderados pelo PS e pela coligação PSD-CDS-PPM. Uns e outros têm que assumir as suas responsabilidades, sem se acusarem mutuamente, como por vezes acontece.
Parece óbvio, pois, que o incêndio atingiu tão grandes proporções devido à “degradação” existente no HDES e denunciada pelo próprio presidente do Governo Regional, que, no entanto, depois não agiu em conformidade, como seria de esperar. Ainda bem que privados construíram um bom hospital na Lagoa, que vai ser um apoio extraordinário com o HDES encerrado, sabe-se lá até quando. Não tenho dúvidas de que o grupo proprietário nunca deixará esse hospital privado chegar a um estado de “degradação” estrutural. Aqui está a diferença na gestão de património público e privado. Enfim.
A situação a que chegou o HDES é também o resultado do tratamento negativo que o Governo Regional tem dado à ilha de São Miguel, mais preocupado em gerir equilíbrios políticos entre os três partidos que integram a coligação e o apoiam na Assembleia Legislativa Regional, cedendo, por vezes, a reivindicações discutíveis ou que podiam esperar por melhor oportunidade. Apesar de ser a maior parcela dos Açores, a ilha de São Miguel tem sido muito esquecida em benefícios e investimentos públicos. É uma verdade indesmentível.
Os bombeiros merecem uma justa palavra de elogio e gratidão pelo difícil e árduo trabalho que realizaram no HDES, mas o fogo é uma força da natureza que se impõe, por vezes, com enormes violência e destruição. Outros agentes de proteção civil, militares, polícias e outras entidades envolvidas também no socorro merecem, do mesmo modo, um justo agradecimento público.
Agora está ali um “lindo” trabalho, pois está. Entretanto, o Governo Regional declarou a situação de calamidade pública, para “acelerar procedimentos” que permitam “normalizar” num “curto espaço de tempo” a atividade no HDES. É uma medida habitual em situações do género, positiva sem dúvida, mas dificilmente o HDES voltará a funcionar num “curto espaço de tempo”, porque os danos são muito elevados em resultado do incêndio e, de resto, o edifício está num estado de “degradação”, como foi reconhecido pelo próprio presidente do Governo Regional já em Setembro de 2023, repito.
Vai ser necessário investir muito dinheiro no HDES para o recuperar da “degradação” e do fogo. O Governo nacional – não gosto de dizer “da República”, porque os Açores também partilham o regime da República democrática e constitucional vigente, pois, em todo o território português – tem que contribuir financeiramente em bom montante, sem desculpas, conversas fiadas, equívocos ou adiamentos, como por vezes tem acontecido com Governos nacionais claramente centralistas de várias “cores” político-partidárias. É uma questão de justiça e equidade para com os açorianos.
O caso do HDES é mais uma nódoa a marcar muito negativamente a Autonomia político-administrativa regional, que é um ideal superior e muito nobre, mas tem sido mal cumprido várias vezes, infelizmente. Assim, não! Os governantes têm que ser mais competentes, mais responsáveis e mais eficazes na sua actuação. É para isso que são eleitos e bem pagos. Mais nada.
Tomás Quental Mota Vieira