No dia em que este texto sai nos jornais de Ponta Delgada, completam-se 50 anos exactos sobre a fundação do PSD/Açores. Foi no termo de uma reunião com cerca de 200 pessoas, de várias idades e proveniências políticas, realizada no Centro Paroquial da Fajã de Baixo, que tal deliberação foi tomada: criar, no ambiente novo de Liberdade e de Democracia, resultante da Revolução do 25 de Abril, um partido regionalista, virado prioritariamente para as questões açorianas, orientado pelas grandes marcas ideológicas da social-democracia e aderindo ao Partido Popular Democrático, cuja fundação fora dias antes anunciada em Lisboa por Francisco Sá Carneiro, Francisco Balsemão e Joaquim Magalhães Mota.
Essas ideias tinham sido acertadas previamente com Francisco Balsemão, com conhecimento e apoio de Francisco Sá Carneiro, numa reunião havida em Lisboa, na sede provisória do PPD, aberta numa antiga instalação da extinta Legião Portuguesa, situada no Largo do Rato e cedida pelo Movimento das Forças Armadas ao novo partido político em formação. A troca de correspondência sobre tal adesão consta dos documentos em tempos publicados por José Andrade num dos seus livros, que não tenho agora à mão e por isso não cito pelo título respectivo.
O ambiente vivido na reunião da Fajã de Baixo era de grande entusiasmo. Tinha havido já contactos exploratórios com pessoas de outras ilhas do nosso arquipélago e parecia estar em tempo certo um projecto político de unidade açoriana. Houve mesmo pronunciamentos no sentido de aceitação do PPD/A em Angra do Heroísmo e na Horta. Por isso, foi imediatamente eleita uma Comissão Organizadora e deu-se início a um audacioso programa de realização de sessões de esclarecimento, para divulgar o novo partido e as suas linhas programáticas, com forte apoio nos locais por onde fomos passando.
Sobre linhas programáticas havia apenas escassos elementos e por isso elaborei um pequeno folheto sobre os princípios do PPD/A, que foi composto e impresso nas oficinas do então diário “Açores” e que se encontra também recolhido no livro acima referido. Dele consta um programa político de timbre social-democrata, destacando o valor da livre empresa e da propriedade privada como expressões da própria dignidade da pessoa humana, a temperar com a intervenção do Estado, em defesa do bem-comum, podendo ir até à nacionalização de sectores fundamentais da economia, cuja manutenção em mãos privadas pudesse funcionar como factor de poder e de exploração afinal dos cidadãos, cuja igualdade perante a Lei devia ser, também no âmbito económico, assegurada. A Democracia, cito de memória, devia ser, não apenas política, mas também económica, social e cultural.
A velocidade e o vigor com que se ia expandindo o PPD/A causou sério desgosto nas figuras oposicionistas tradicionais, agrupadas sob a capa do MDP/CDE – mais tarde apurando-se ter sido o refúgio dos comunistas e seus “compagnons de route”, muito injustamente perseguidos pela Ditadura e pelos seus instrumentos repressivos nomeadamente a PIDE/DGS – que assim iam comprovando que a sua hora de mandar nos Açores afinal não tinha chegado… Daí a campanha de descrédito tentada, aliás sem resultados, contra o PPD/A e os seus dirigentes e contra mim em especial, identificando-me com o regime deposto pela Revolução e portanto incapacitado de liderar um projecto de afirmação das nossa ilhas e do seu povo na nova fase da História iniciada com o 25 de Abril.
Ora, a realidade é que desde o começo da minha intervenção política sempre me afirmei como democrata e fiz mesmo inscrever no Manifesto apresentado à população em 1969, quando me candidatei a Deputado pela primeira vez, a restauração das liberdades cívicas como objectivo prioritário, tendo em vista a evolução do regime autoritário para uma democracia do tipo europeu ocidental. E mantive as mesmas convicções quando me candidatei novamente em 1973, trabalhando em tal sentido com diversas iniciativas de sentido democratizante e mantendo uma verdadeira pedagogia democrática junto dos cidadãos do meu círculo eleitoral.
O fracasso do projecto inicial do PPD/A foi promovido em grande parte por elementos da Oposição tradicional ao regime ditatorial, que trataram, através de diligências em Lisboa junto dos habituais “idiotas úteis”, sempre existentes no âmbito político, de sabotar a firmeza da adesão dos fundadores do partido na Terceira, alguns dos quais mais tarde vieram mesmo a aderir ao PS.
Comprovado que o tempo afinal não estava ainda em condições de acolher o tal projecto de unidade regional, tivemos de reconverter o existente em estruturas distritais do PPD nacional. Mas logo no I Congresso Nacional do partido aparecemos em bloco a reclamar a inclusão de um compromisso programático formal com a criação de uma Autonomia Política para os Açores, com órgãos de governo e estatuto político-administrativo próprios, o que ficou consagrado com o apoio expresso de Francisco Sá Carneiro. Entretanto tinha sido já elaborado um primeiro texto sobre a Autonomia dos Açores, apresentado pelo PPD de Ponta Delgada em Novembro de 1974, ainda existia o MAPA e da FLA nem se falava sequer.
Nas primeiras eleições realmente democráticas de toda a História de Portugal, em 25 de Abril de 1975, com um caderno eleitoral abrangendo todas as pessoas com mais de 18 anos e com uma participação impressionante, o PPD elegeu nos Açores 5 Deputados à Assembleia Constituinte e o PS 1; eu fui um deles, correspondente ao distrito de Ponta Delgada, juntamente com Américo Viveiros e Jaime Gama, este primeiro candidato do PS. Nos distritos de Angra do Heroísmo e Horta só o PPD é que elegeu Deputados.
Mais tarde veio o PPD a mudar de nome para PSD e as três estruturas distritais açorianas fundiram-se no PSD/Açores, com Congresso, Conselhos e Comissão Política próprios, correspondentes á entrada em vigor da Constituição de 1976, que criou a Região Autónoma dos Açores. Conforme disse perante o Conselho Nacional do Partido, na presença de Francisco Sá Carneiro, em plenitude de funções de liderança partidária, não fazia sentido ter o PSD lutado tanto para emancipar os Açores do Terreiro do Paço para afinal os manter dependentes da sede nacional do Partido, então na Rua de Buenos Aires. E hoje todos os partidos políticos presentes da cena política açoriana adoptaram também estruturação regional similar, correspondente ao triunfo da Autonomia Política e Constitucional dos Açores, propiciada pela Revolução do 25 de Abril.
João Bosco Mota Amaral*
*(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo
Ortográfico)